segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Sistematização das questões abordadas e discussão sobre a actuação do Oporto FC

a) Se o julgamento do litígio em análise compete à jurisdição administrativa;
Concordo com o que a Joana disse no seu post e com a aplicação do artigo 4.º n.º1 d) defendida pelos meus colegas. Acho que a grande questão que se põe (sobre esta matéria) é a de saber se estamos ou não perante matéria “estritamente desportiva”. O recurso para os tribunais administrativos está, como a Joana explicou, restringido aos casos em que a matéria não seja estritamente desportiva. O artigo 47.º da Lei de Bases do Desporto determina o que é e o que não é matéria estritamente desportiva. O nosso caso não nos diz muito sobre o motivo da punição dos clubes de futebol Oporto FC, Belavista FC e respectivos presidentes. No entanto, se atendermos a uma eventual aproximação com o caso real que terá servido de inspiração ao caso que estamos a discutir, o n.º3 do artigo 47.º parece vedar a atribuição da classificação de “matéria estritamente desportiva” a infracções à ética desportiva no âmbito da corrupção, o que nos permite concluir que caberá recurso para os tribunais administrativos. De qualquer das formas, na falta de dados, acho mais simples admitirmos que este recurso é permitido.

b) Se o presidente do Conselho de Justiça tem legitimidade para reagir processualmente da decisão do Conselho a que preside;
Como vimos numa aula prática, o presidente do Conselho de Justiça tem legitimidade para reagir processualmente da decisão ao Conselho a que preside, nos termos do artigo 14.º n.º4 do CPA: “o Presidente (...) pode interpor recurso contencioso e pedir a suspensão jurisdicional da eficácia das deliberações tomadas pelo órgão colegial a que preside que considere ilegais.”

c) Admitindo que a questão se integra no âmbito da jurisdição administrativa, qual seria o tribunal competente para a apreciação do litígio?
Mais uma vez no seguimento das discussões sobre o caso que se proporcionaram na aula prática, parece-me que faz algum sentido assentar que o Tribunal competente será, como disseram o David e a Rute, um Tribunal Administrativo de Círculo (art. 44.º n.º1 ETAF). Contudo, parece-me mais rigoroso dizer que relevante para a determinação da competência territorial do Tribunal será, nos termos do artigo 20.º n.º1 do CPTA, a área da sede da Federação Popular de Futebol e não do Conselho de Justiça, que é apenas um dos seus órgãos, de acordo com o artigo 1.º do Regimento do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol e com o artigo 12º nº1 al. f) dos Estatutos da FPF, admitindo, na falta de danos fornecidos pela hipótese, que estamos perante situações análogas.


Passando agora às questões levantadas pelo David e pela Rute quanto à actuação do Oporto FC:
Parece-me que é importante fazer uma distinção prévia: existem, na verdade, duas decisões que importa considerar. Por um lado, (1) a decisão de encerramento da reunião por parte do Presidente do Conselho de Justiça e, por outro lado, (2) a decisão tomada após o pretenso encerramento da reunião, por parte dos restantes membros do Conselho de Justiça, no sentido de negar provimento aos recursos interpostos pelo Oporto FC e pelo Belavista FC.

Na minha interpretação do caso, o que o que o Oporto FC quer fazer é impugnar a decisão tomada pelos membros do Conselho de Justiça depois do alegado encerramento da reunião, e, aliás, precisamente porque a reunião teria sido encerrada. Se considerarmos, no entanto, que o encerramento da reunião foi, em si mesmo, um acto nulo, a reunião prosseguiu validamente e, ainda, com quórum.
De facto, um acto nulo, nos termos do artigo 134.º n.º1 do CPA, não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade. A nulidade dá-se por efeito automático da lei.
Quanto à questão do quórum, nos termos do artigo 22.º do CPA, os órgãos colegiais só podem, regra geral, deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros com direito a voto. Se cinco dos sete membros continuaram a reunião, havia quórum. Se considerarmos que é de aplicar lei especial, e partindo do princípio que o Regime deste Conselho de Justiça será igual ou semelhante ao Regimento do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, também o seu artigo 5.º exige apenas a presença da maioria dos membros. Por uma via ou por outra, há sempre quórum.
Assim, na minha opinião, o Oporto FC não quer impugnar esta segunda deliberação porque o quorum exigido não foi observado (já vimos que em princípio terá sido), e muito menos porque a decisão foi tomada tumultuosamente. Na verdade, tumultuosa poderá ter sido, eventualmente, a primeira parte da reunião. A segunda parte da reunião (ou a segunda reunião se considerarmos que a primeira foi encerrada validamente pelo Presidente) terá decorrido pacificamente. Nem razões existiriam para que não tivesse decorrido pacificamente, uma vez que o alegado tumulto que se verificou na (primeira parte da) reunião teria sido provocado por uma divergência entre o Presidente e um dos Vogais, sobre questões de eventuais impedimentos de um e de outro. Ora, tendo o Presidente encerrado (?) e abandonado a reunião, podemos presumir com alguma segurança que o resto da reunião terá decorrido de forma calma (o caso nada nos diz sobre isto, mas parece razoável fazer esta presunção, mesmo sem recorrer a uma analogia com o caso semelhante que se passou no panorama português).

Acho que podia ser interessante analisarmos, primeiro, a primeira parte da reunião e a decisão de encerramento, uma vez que as conclusões a que chegarmos sobre estas matérias, permitir-nos-ão discutir sobre a decisão de continuar a reunião (podia ser tomada? Devia ser tomada?) e, consequentemente, sobre a validade das decisões tomadas nessa reunião e sobre os meios processuais através dos quais é possível reagir contra essas mesmas decisões.

Outra questão sobre a qual acho que podia valer a pena debater um pouco (e cuja análise poderá ser feita sem termos que ter em atenção o seguimento cronológico dos factos apresentados pelo caso), é a da legitimidade passiva neste tipo de situações. Nos termos do artigo 10.º do CPTA, a parte demandada deve ser uma pessoa colectiva, como é, por exemplo, a Federação Popular de Futebol e não o Conselho de Justiça (órgão da FPF). Contudo, o n.º 4 determina que deve ser considerada “regularmente proposta a acção quando na petição tenha sido indicado como parte demandada o órgão que praticou o acto impugnado ou perante o qual tenha sido formulada a pretensão do interessado, considerando-se, nesse caso, a acção proposta contra a pessoa colectiva pública (...) a que o órgão pertence.”. O artigo 78.º n.º3 do CPTA também dispõe que, na petição inicial, “a indicação do órgão que praticou ou devia ter praticado o acto é suficiente para que se considere indicada, quando o devesse ter sido, a pessoa colectiva (...) pelo que a citação que venha a ser dirigida ao órgão se considera feita, nesse caso, à pessoa colectiva (...) a que o órgão pertence.”

Parece-me que se podem colocar duas questões, uma de cariz mais prático e outra de cariz mais teórico:
1. Poderá a Federação Popular de Futebol, pessoa colectiva (privada) de utilidade pública, ser demandada nos termos do artigo 10.º n.º2 do CPTA, que apenas se refere a pessoas colectivas públicas?
2. No seguimento do que nos foi transmitido nas aulas teóricas, faz sentido continuar a defender “o dogma da impermeabilidade da pessoa colectiva” e a sua aplicação à determinação da legitimidade passiva no contencioso administrativo?

Boa semana a todos,
Clara Pereira

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