domingo, 2 de novembro de 2008

OS ÓRGÃOS DO FUTEBOL PORTUGUÊS

Boa tarde a todos.

Queria voltar atrás a uma questão que me parece tenha ficado por resolver...

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Nesta simulação somos confrontados com as actividades de dois órgãos, cuja natureza será importante determinar para efeitos da posterior análise das suas decisões e da competência da justiça administrativa para decidir o caso. É importante saber com o que é que estamos a lidar.

Creio que tal exercício se subsumirá, como já explicou o colega Diogo, à necessidade de preenchimento de factos importantes. 

São as decisões da Comissão Disciplinar da “Liga Cash and Carry de Futebol” que despoletam todo este litígio. Será possível, dadas as semelhanças com um caso recente e que todos conhecemos, estabelecer um paralelo entre a “Liga Cash and Carry de Futebol” e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP). Este é um órgão, autónomo da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), que gere os assuntos inerentes à organização e prática do futebol profissional e das suas competições, organizando, regulamento e explorando comercialmente as competições de carácter profissional que se disputam no âmbito da FPF. 

Temos então que no âmbito da prática futebolística a nível nacional vale, em geral, a palavra da FPF. Por sua vez, a LPFP intervém quando estão em causa questões relacionadas com o futebol profissional, como é o caso quando duas equipas profissionais são penalizadas pelas acções ilegais dos seus dirigentes.

Nos Estatutos da LPFP (disponíveis em www.lpfp.pt) é estabelecido o seguinte, logo no primeiro artigo:

“A Liga Portuguesa de Futebol Profissional é uma associação de DIREITO PRIVADO, que se rege pelos presentes Estatutos, pelos Regulamentos que de acordo com eles forem emitidos e pela legislação aplicável”.

A Comissão Disciplinar desta associação de direito privado é um dos seus órgãos, nos termos do art. 12º nº1 al. g) dos Estatutos. A esta compete, a nível geral, exercer o poder disciplinar sobre os associados membros, instaurando, instruindo e julgando os processos disciplinares e aplicando as correspondentes sanções (art. 59º nº1 dos Estatutos da LPFP).

O exercício deste poder disciplinar sobre os agentes participantes nas competições profissionais encontra-se vinculado a um Regulamento Disciplinar. Nos termos do art. 204º deste Regulamento pode sempre haver recurso das decisões proferidas em processo disciplinar, sumário, sumaríssimo ou protesto de jogo, ao Plenário da Comissão Disciplinar. Para tal efeito, o art. 205º estabelece que têm legitimidade para interpor recurso o infractor ou terceiros legitimamente interessados.

Então porque é que o “Belavista FC” e o Presidente do “Oporto FC” interpuseram recurso para o Conselho de Justiça da “Federação Popular de Futebol”? Que relação terá este Conselho de Justiça com a Comissão Disciplinar da “Liga Cash and Carry de Futebol”? Porque não recorrer até aos tribunais administrativos?

Para responder a esta pergunta creio que será necessário estabelecer outro paralelo, desta vez entre a “Federação Popular de Futebol” e a nossa já conhecida Federação Portuguesa de Futebol.

A FPF, tal com a LPFP, é também uma pessoa colectiva de direito privado, conforme estabelece o art. 1º dos seus Estatutos. Dita o art. 2º que esta tem por principal objecto promover, organizar, regulamentar e controlar o ensino e a prática do futebol, em todas as especialidades e competições. Nos termos do art. 4º nº2 al. c), a LPFP é sócio ordinário da FPF, com todos os direitos e deveres que tal denominação acarreta.

E o Conselho de Justiça? Este é um órgão social da FPF (art. 12º nº1 al. f) ). Interessa saber que no elenco das suas competências se encontra incluída a capacidade para conhecer e julgar os recursos das deliberações da Comissão Disciplinar da LPFP (art. 47º nº1 al. b) ).

Podemos então, tendo preenchido estes detalhes, concluir o seguinte acerca da natureza jurídica dos órgãos envolvidos, que nos ajudará na análise do caso:

a) A “Liga Cash and Carry de Futebol” e a “Federação Popular de Futebol” serão ambas, tais como os seus reflexos na sociedade portuguesa real, pessoas colectivas de direito privado;
b) Cabe recurso das decisões da Comissão Disciplinar da “Liga Cash and Carry de Futebol” para o Conselho de Justiça da “Federação Popular de Futebol”.

Estando perante duas pessoas colectivas de direito privado, porque é que haveremos de aplicar ao caso normas de direito administrativo, nomeadamente o regime do CPA relativo ao funcionamento de órgãos colegiais? 

O colega Diogo refere a declaração de utilidade pública desportiva da FPF, na vida real, e a consequente aplicação subsidiária do CPA e CPTA às omissões a nível estatutário. Concordo que a solução terá que seguir este caminho.

São pessoas colectivas de utilidade pública as associações ou fundações que prossigam fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com a Administração Central ou a Administração Local, em termos de merecerem da parte desta administração a declaração de «utilidade pública»” (art. 1º nº1 do Decreto-Lei nº 460/77). Mais concretamente, o estatuto de utilidade pública desportiva atribui a uma federação desportiva, em exclusivo, a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes de natureza pública (art. 7º do Decreto-Lei nº144/93 – Regime Jurídico das Federações Desportivas).

Tal lógica aponta para a aplicação do CPA a entidades de natureza jurídico-privada (mas materialmente administrativa), nos termos do seu art. 2º nº4. 

Concordo, neste ponto, com a colega Teresa, mas pergunto-lhe o que entende por “mandados aplicar por lei”. É certo que estas federações servem, a vários níveis, o interesse público, mas tenho sérias dúvidas sobre onde poderemos encontrar tal “ordem” de aplicação das normas do CPA… Será que poderemos considerar que a declaração de utilidade pública se traduz numa remissão implícita?

Não me parece que será relevante estarmos a discutir os termos da concessão de utilidade pública a uma federação que trate do futebol. Contudo, irei reservar para outro momento a discussão da relevância do factor interesse público na célere e racional solução deste litígio.

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Votos de continuação dum bom fim de semana.

Luís

1 comentário:

Luís Filipe Salema disse...

Não há nada como passar mais uns minutos a ver as leis relevantes e conferir os resultados da busca no parecer do Prof. Freitas do Amaral. De facto, o art. 76º, do Regimento Disciplinar do Conselho de Justiça da FPF, manda aplicar subsidiariamente o CPA e o CPTA. Problema resolvido. Sigamos em frente ;)

Luís