quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Exercício do Contraditório

Boa noite,
Passo a transcrever, na íntegra, uma mensagem que a Lúcia Ribeiro me pediu para publicar, uma vez que estava com alguns problemas de acesso ao blog:


Caros colegas,
Já muito se escreveu sobre o caso prático e muito ainda haverá para escrever. Em primeiro lugar gostaria de felicitar todos aqueles que já participaram no blogue pelas suas excelentes intervenções.
Muito haveria a dizer, contudo eu gostaria de limitar a minha participação. Tendo como principal objectivo alargar o debate a outros pontos que também acho importantes, assim irei iniciar a análise da questão a quem cabe o exercício do contraditório?, questão levantada e muito bem pela Rafaela e o Zé.
Assumindo que os actos praticados pelo Conselho de Justiça foram proferidos no âmbito de uma reunião ilegal, os actos seriam, logicamente, ilegais. (Rute e David). Desta forma, fará todo o sentido tanto o OPORTO, BELAVISTA e o PRESIDENTE DO CJ pretenderem impugnar os actos em questão.
Assim, resta-nos lançar algumas questões que penso serem pertinentes?
1) Quem deve ser a entidade demandada?
A federação Portuguesa de futebol - FPF ou o Conselho de justiça - CJ.
2) Sendo a entidade demandada uma pessoa colectiva (privada) de utilidade pública, por quem deverá esta ser representada em juízo?
3) Havendo possibilidade de conflito de interesses, como deveremos proceder?
4) Quais os argumentos a utilizar pela entidade demandada de modo a construir a sua defesa?
Posto isto, cabe-me iniciar a discussão no que concerne às questões colocadas.

Em relação à primeira questão, penso que será pertinente analisar prejudicialmente a noção de legitimidade passiva. Consta do art. 10º n.º 1 CPTA que a acção deve ser proposta contra a outra parte na relação materialmente controvertida. O n.º 1 deste artigo remete para a legitimidade passiva de sujeitos privados, enquanto no n.º 2 consta a regra geral de legitimidade passiva das entidades públicas.
Assente o pressuposto da legitimidade passiva, resta-nos averiguar quem deverá ser demandado a FPF ou o CJ? Algumas dúvidas nos suscitam a nossa resposta, na medida em que numa primeira análise do caso e verificados os trâmites legais tudo apontaria para a FPF, pessoa colectiva de direito privado, considerada de utilidade pública desportiva desde 1995, por aplicação do art. 10º n.º 2CPTA. Mas não nos podemos esquecer do CJ autor dos actos administrativos é um órgão da FPF, regido pelo estatuto próprio desempenha funções jurisdicionais e disciplinares. Talvez por essa razão fizesse mais sentido interpor uma acção contra o autor do acto, penso que poderíamos argumentar com o art. 10º n.º 1 conjugado com o art. 57º que refere “para além da entidade autora do acto” ou seja, dá entender que antes dos contra interessados esta seria a contra parte. Também o referido pelo Luís, de acordo com a nova lei de bases do desporto art. 18ºn.º2 “quando a matéria em análise no litígio seja estritamente desportiva, caberá recurso somente para o CJ da FPF. Assim, pegando neste ponto poderíamos defender que uma vez que apenas cabe recurso para o CJ, nesta medida deverá ser esta a entidade demandada.
Assim não o entendemos.
De acordo com o prof. Mário Aroso de Almeida no Comentário ao CPTA esta situação faria sentido tradicionalmente quando a regra atribuía a personalidade e capacidade jurídica aos órgãos administrativos que tivessem praticado o acto impugnado. Hoje, com a inovação introduzida pela lei n.º 92/VIII verificamos que fará mais sentido demandar o órgão principal, no nosso caso a FPF. Em primeiro lugar, porque se trata de um meio processual dirigido à impugnação do acto sob a forma de acção e não de um recurso; numa situação de cumulação de pedidos (penso, ainda ninguém ter levantado esta questão, mas é uma possibilidade, por ex. o OPORTO poderá ter vários pedidos) e ainda pelo facto de para o autor da acção ser mais fácil identificar o autor do acto recorrido. No caso concreto, penso que este argumento não procede porque sabemos que o autor do acto recorrido é o CJ, contudo deveremos entende-lo como uma regra geral.
Assim, fará todo o sentido demandar a FPF.
É importante fazer referência, ainda, aos contra-interessados, caso eles existam, deverão também ser demandados obrigatoriamente, nos termos do art. 57º CPTA.

Espero ter contribuído para o alargamento do debate as outras questões jurídicas, e principalmente ter ajudado na resolução, ou melhor, no inicio de resolução desses problemas.

Fico por aqui, com a promessa de que voltarei a participar no blogue de forma a conseguirmos alcançar as respostas finais.

BOM TRABALHO A TODOS
Lúcia Ribeiro *** 140105050

Invalidades, Contra-Interessados e Providências Cautelares

A pretensão de recorrer à acção administrativa especial de impugnação, por parte do “Oporto FC”, não pode deixar de se fundamentar, como foi já frisado em “posts” anteriores, na invalidade do acto que se pretende impugnar (conclusão que de resto se retira da letra do art.º50/1 CPTA). No caso controvertido, esse acto traduz-se nas decisões tomadas pelo Conselho de Justiça (CJ), com manifesta inobservância de diversas disposições legais, as quais lesam os legítimos interesses do clube. Coloca-se, no entanto, a questão de saber face a que tipo de invalidade estamos e, sobretudo, qual a sanção que a lei comina para o vício em causa.
A relevância das questões suscitadas é indiscutível. Se atendermos ao disposto no art.º 58º/1 CPTA, verificamos que a impugnação de um acto para o qual a lei determina a sanção de nulidade, ou inexistência, não está sujeita a qualquer prazo; em sentido inverso, o nº2 do mesmo artigo estabelece os prazos que devem ser observados para a propositura de uma acção de impugnação cujo objecto é um acto anulável.
Por outro lado, é necessário considerar os efeitos resultantes de um acto inválido. Efectivamente, o Prof. Freitas do Amaral afirma, no seu “Curso de Direito Administrativo”, que “...o acto anulável é juridicamente eficaz até ao momento em que venha a ser anulado...” por aplicação do art.º127/2 CPA a contrario. Por seu turno, o art.º134º/1 afirma peremptoriamente que o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos; sublinhe-se o termo “jurídicos”, pois que de um acto nulo podem ainda resultar efeitos de facto, aos quais se podem vir ainda reconhecer efeito jurídico (art.º134º/3 CPA).
Retomando a matéria dos prazos importa considerar que, pese embora o facto de serem dotados de uma forte componente processual, não devem ignorar-se os efeitos materiais que deles podem decorrer.
O problema que se coloca é então este: que sucede ao acto passível de anulação, após o decurso do prazo para a respectiva impugnação? A resposta a esta interrogação vem reforçar o que anteriormente se disse: os prazos não têm uma relevância exclusivamente processual.
A dúvida pode apenas ser uma: estaremos face a uma sanação do acto, ou seja, o que era inválido ab initio como que se transforma, conformando-se com o ordenamento jurídico? Ou será que o decurso do tempo se traduz apenas na impossibilidade de lançar mão à acção administrativa especial de impugnação? Nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva, a primeira solução seria como que “um milagre das rosas”, segundo o qual o mero decurso do tempo conduziria à sanação do(s) vício(s) do acto. Não parece, como tal, que seja de se aplicar a primeira solução, mas sim a segunda. Daí que o art.º38 CPTA disponha acerca do acto administrativo inimpugnável, podendo o tribunal conhecer a título meramente incidental desses actos, mas tão somente a esse título. Trata-se de uma clara manifestação de segurança e certeza jurídicas, mas o acto geneticamente viciado não perde o seu “gene” com o tempo. Para esse efeito existe o regime da ratificação, reforma e conversão, constante do art.º 137º CPA
Em nosso entender, é incontestável que foram inobservados, entre outros, os art.º 16º, art.º 17º / 1, 3 e 4 CPA e art.º 46/1 dos estatutos da FPF. Ainda que aqui se configure uma violação de lei, não parece que a mesma seja passível de recondução ao art.133º CPA (ainda que a expressão “designadamente” afaste a ideia de que o preceito é taxativo). De facto, as normas que determinam que deve ser o presidente do órgão colegial a convocar as reuniões prendem-se com questões de bom funcionamento do mesmo, o que, forçosamente, não poderá deixar de influenciar materialmente as decisões que o órgão delibere. Evidente parece ainda o comportamento atentatório aos mais elementares princípios da boa fé, por parte dos 5 membros que levaram a cabo a segunda reunião. Não pode aceitar-se que a realização de uma reunião sem o conhecimento do Presidente e Vice-Presidente seja conforme ao ordenamento jurídico. Como tal, assumindo, como de facto assume, o art.º 135º um cariz residual, teremos que sustentar que o acto controvertido é anulável, aceitando todas as implicações que daí resultam.
Apenas numa interpretação muito pouco restritiva do art.º133º/g) se poderia defender a nulidade das decisões. Teria de se considerar que as decisões tomadas numa reunião de um órgão colegial à revelia do seu Presidente e Vice-Presidente nunca poderiam deixar de ser “tumultuosas”. Não seria, sem margem para dúvida, uma deliberação normal ou regular, estando imbuída, desde o início, das circunstâncias atinentes a tão excepcional situação. Contudo, ao contrário do que se defendeu em “Meio Processual do Oporto FC”, reconhece-se agora que o caminho conducente à nulidade do acto se afigura mais difícil. No entanto, não deixam as decisões de ser anuláveis, e não pode o Oporto FC deixar de estar aberto a qualquer argumentação fundamentada que sustente a tese de nulidade, uma vez que tal regime se lhe afigura bastante mais favorável.
Cabe agora abordar questões mais práticas, conexas com a legitimidade passiva (rectificação a post anterior) e com a propositura de uma providência cautelar.
No seguimento da correcção feita pelo Ricardo, no que respeita a legitimidade passiva da acção administrativa especial de impugnação, julgamos de todo relevante afirmar a necessidade de demandar, para além da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), conforme a Clara correctamente nos rectificou anteriormente, o Paços de Ferreira na qualidade de contra-interessado (art. 57.º CPTA).
Os contra-interessados são verdadeiros sujeitos das relações jurídicas administrativas multilaterais que, sendo “titulares de posições de vantagem juridicamente protegidas” (Prof. Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise), devem gozar de plenos poderes processuais. De acordo com o ensinamento do Prof., estes “impropriamente” designados de “terceiros” são vistos como sujeitos principais e como tal estarão dotados de legitimidade activa e passiva.
Na presente hipótese, o Paços de Ferreira não pode deixar de ser um contra- interessado, uma vez que a impugnação do acto administrativo praticado pelo CJ, no sentido de negar provimento aos recursos apresentados, lesa o Paços de Ferreira que, assim, permanecerá na II Liga do Campeonato Português de Futebol. Deste modo, facilmente se compreenderá que o “provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar” (art. 57.º CPTA) este clube de futebol.
Por último, gostaríamos de salientar que o Oporto FC deverá, a fim de melhor proteger os seus interesses, requerer simultaneamente uma providência cautelar (art. 112.º e ss’ CPTA). Note-se que no caso se verifica um perigo iminente de lesão jurídica irreversível, dispondo o Oporto FC de legitimidade para requerer uma providência cautelar (art. 112.º n.º 1 CPTA). Concretamente, seria uma providência conservatória (suspensão da eficácia de um acto administrativo, art. 112.º n.º 2 al. b) CPTA) na medida em que se pretende a manutenção da esfera jurídica do requerente, ou seja, pretende-se que o Oporto FC não seja penalizado nos seis pontos.
Este processo cautelar, dependente da acção principal (acção administrativa especial de impugnação), visa obter uma tutela plena e eficaz dos direitos do requerente, tendo em atenção o facto de no Processo Administrativo português, a mera impugnação não suspender os efeitos do acto administrativo que se pretende impugnar; assim sendo, para que os seus efeitos sejam suspensos, o Oporto FC requererá a providência cautelar já mencionada.

Rute Carvalho da Silva, 140105007
David Nunes Fernandes 140105021

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Quanto à invalidade da segunda reunião...

Boa noite,

Antes de mais, gostaríamos de reiterar novamente que os nossos “posts” pretendem colocar a questão na perspectiva da tutela mais eficaz dos interesses do Oporto FC.

Conforme o Luís e a Clara já assinalaram, reconhece-se plena competência da Jurisdição administrativa para conhecer da questão material controvertida. De facto, é indubitável que não estamos perante uma matéria “estritamente desportiva”.
Cabe agora aprofundar alguns pontos que a Clara frisou, reconhecendo desde já que os argumentos por esta invocados, quanto ao quórum legalmente exigido e quanto à ausência de circunstâncias tumultuosas na segunda reunião, parecem de facto, colher.
No entanto, no entender do Oporto FC o encerramento da reunião pelo Presidente do Conselho de Justiça é plenamente válido e eficaz, pelo que se conclui que a segunda reunião não pode ser outra coisa que não uma nova reunião.
Consideramos, efectivamente, que o encerramento antecipado da reunião é materialmente justificado pelo disposto no artigo 14.º n.º 3 CPA, o qual já foi objecto de profunda reflexão no “blog”. Parece-nos que, no âmbito da discussão dos eventuais impedimentos que impendiam sobre o Presidente e Vice-Presidente, o ambiente ter-se-á deteriorado de tal modo a ponto de se tornar impossível um debate imparcial, fundamentado e isento. Daí que a reunião tenha sido validamente encerrada e não suspensa. Tudo isto em prol da prossecução do interesse público e não na defesa de interesses egoísticos e privados.
De facto, aceitar simultaneamente a validade do encerramento e a prossecução da mesma reunião conduz a uma contradição insanável.
Uma vez validamente encerrada, para que o órgão possa voltar a deliberar sobre as matérias em apreço terá de se proceder à respectiva convocação, nos termos e para os efeitos dos artigos 16.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
Em nosso entender, a segunda reunião teria de se considerar uma reunião extraordinária, por todas as particularidades que tornam estes acontecimentos objecto de tamanha controvérsia. Nesse sentido, teria a mesma de ser convocada pelo Presidente, com antecedência mínima de 48 horas, sendo que na convocatória deveria constar menção expressa e especificada dos assuntos em discussão, solução esta que resulta da aplicação conjugada dos números 1, 3 e 4 do artigo 17.º CPA. Não ignoramos, porém, que disposições especiais possam afastar o supraexposto, sendo que partimos do princípio que tais disposições não existem. Diga-se, reforçando o que afirmamos, que os próprios estatutos da FPF, no seu artigo 46.º n.º 1, prevêem que as reuniões devem ser convocadas pelo Presidente da FPF.
Pelo conjunto de factos enunciados na hipótese, torna-se claro que estas normas não foram respeitadas. Como consequência, à luz do artigo 21.º CPA, tal ilegalidade só será sanada quando todos os membros do órgão compareçam à reunião e não suscitem oposição à sua realização. Uma vez mais, tal não se verificou, padecendo a segunda reunião de um vício.
Quer se sustente a nulidade das decisões, a sua anulabilidade, ou ainda, a sua inexistência jurídica, essas decisões serão sempre atacáveis, através dos meios processuais anteriormente referidos, mais concretamente, a acção administrativa especial de impugnação de actos administrativos (art. 46.º n.º 2 al. a) Código de Processo dos Tribunais Administrativos), conforme exposto no nosso post anterior.
Em suma, a reunião é ilegal, pelo que, logicamente, ilegais são as decisões nela tomadas.

Rute Carvalho da Silva, 140105007
David Nunes Fernandes, 140105021

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Notas estruturais

Caros colegas;
Após leitura, analise, discussão e consenso propusemo-nos a adicionar algum conteúdo ao eloquente blog de contencioso administrativo tomado como razoavelmente composto na sequência de óptimas intervenções de todos os colegas que até então deram as suas contribuições.
Fazendo um ponto de situação, damos como assentes os seguintes pressupostos de facto e de direito:
· A FPF é uma pessoa colectiva de direito privado, sem fins lucrativos, de tipo associativo. Foi declarada de utilidade pública desportiva, nesses termos, a FPF está oficialmente incumbida do que a doutrina administrativista designa como exercício privado de funções públicas.
· Um dos órgãos sociais da FPF é o CJ, a quem cabe o desempenho, entre outras, de funções de tipo disciplinar e jurisdicional – nomeadamente, o julgamento de recursos das decisões de vários órgãos da FPF, bem como das decisões da Comissão Disciplinar.
· Na orgânica actual do Direito Desportivo português, o CJ é o órgão jurisdicional e disciplinar máximo, pelo que as suas decisões, quando transitadas, constituem caso julgado, não havendo recurso delas para qualquer outro órgão social da FPF. Isto sem prejuízo, do recurso que a lei admita aos tribunais administrativos.
· Na nossa hipótese as sanções disciplinares aplicadas pela CD foram as seguintes:
1. O Belavista foi punido com a descida de divisão;
2. O Oporto foi punido com a perda de 6 pontos;
3. Os respectivos presidentes foram punidos com a suspensão de funções por um período de 4 e 2 anos, correspectivamente.
O presidente do Oporto e o Belavista recorreram para o órgão jurisdicional máximo a justiça desportiva o CJ. Na reunião do CJ, no dia 4 de Julho, o Presidente do CJ declarou não haver condições para continuar aquela reunião e decidiu encerrá-la antecipadamente. Os 5 vogais que ficaram na sala decidiram continuar a reunião, designando um presidente para apreciarem e votarem as decisões, tendo confirmado, sem alterações as decisões proferidas em 1ª instância pela CD.
Ora bem: não vamos voltar a debater-nos sobre o que leva o presidente de um órgão colegial a encerrar repentinamente, sem fundamento legal, uma reunião em que havia decisões urgentes a tomar. Corroboramos com a opinião daqueles que consideram que a decisão do presidente denota vários vícios, nomeadamente, ofensa de Constituição, violação da lei e desvio de poder, sendo nula devido à prossecução de interesses privados. À luz do Direito aplicável, sendo nula a decisão do presidente, esta será ineficaz, isto é, insusceptível de produzir quaisquer efeitos jurídicos, não tem qualquer componente de obrigatoriedade, logo, pode ser ignorada e até desobedecida por todos, operando de forma automática esta nulidade. Sendo assim, a continuação da reunião com apenas 5 vogais é perfeitamente lícita, obedecendo o quórum exigível.
Considerando as decisões tomadas, o que podem fazer o Belavista, o presidente do CJ e do Oporto?
Continuemos a discussão: no âmbito da justiça administrativa:
· Qual o tipo de acção adequada aos interesses em jogo?
· Estarão preenchidos os pressupostos processuais da legitimidade (já referido na intervenção dos colegas Rute Carvalho e David Fernandes) e da impugnabilidade do acto?
Começando a nossa exposição, e não querendo ser repetitivos, a acção adequada aos interesses sub analise será a acção administrativa especial, nos termos dos artigos 46.º , nº1 e nº2 alínea a), conjugado com o artigo 51.º nº2 do CPTA; para “suspensão da eficácia dos actos administrativos” imputados ao CJ e praticados durante a reunião daquele órgão no dia 4 de Julho. A noção de acto administrativo impugnável consagrada no primeiro dos supracitados preceitos é desta forma alargada, incluindo os actos materialmente administrativos aos quais o artigo 120.º do CPA não se refere. Os actos que são objecto (mediato) de impugnação são os seguintes: a possibilidade de reabertura da reunião do Conselho de Justiça, ainda que sem a presença do seu Presidente e vice-presidente e a validade das decisões tomadas por esse mesmo órgão nas circunstâncias já conhecidas.
A jurisdição administrativa competente deverá desta forma, por referência à pretensão anulatória dos interessados, não só ponderar e indagar da existência dos vícios arguidos pelos autores, como também averiguar da existência/inexistência de outras causas de invalidade, não determinando este factor uma ampliação da causa de pedir. Significa isto que o objecto da pretensão impugnatória centra-se, não nas concretas ilegalidades que são imputadas ao acto, mas no próprio acto (cfr. Artigo 95,nº2, o qual espelha uma manifestação do Princípio do inquisitório em sede de contencioso administrativo). O requerente não está no entanto dispensado, nos termos do artigo 78.º, nº2, alínea, g) do ónus de alegar os vícios por si conhecidos e que sirvam de fundamento ao pedido de declaração de nulidade ou anulação. Ainda que o objecto imediato seja a pretensão anulatória, o acto administrativo releva enquanto objecto mediato, uma vez que sobre ele se projectam os efeitos da sentença anulatória. Neste sentido tomamos esta circunstância como relevante para efeitos da verificação dos pressupostos processuais e das condições de procedência da acção impugnatória.
Impugnabilidade do acto:
Este requisito de impugnação do acto encontra-se previsto no artigo 51.º do CPTA. A primeira parte(nº1) deste preceito refere “são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa”. Segundo uma parte da doutrina administrativa são externos os actos que produzem efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a Administração e os particulares ou que afectem a situação jurídico-administrativa de uma coisa (por oposição aos actos internos). Coloca-se a questão de saber se esta eficácia externa também deverá ser requisito exigido para a impugnação de actos materialmente administrativos praticados por entidades privadas que actuem ao abrigo de normas de direito administrativo. Pensamos que sim, uma vez que a nível contencioso, a noção de acto impugnável é mais lata do que a contida no artigo 120.º do CPA devendo os pressupostos contenciosos de impugnação de actos ser iguais quer estes emanem de uma entidade integrada na administração pública ou não. O direito de acesso aos tribunais não é um direito absoluto cujo exercício não dependa de quaisquer pressupostos. É da maior importância cingir o acesso à justiça às situações efectivamente carecidas de tutela judicial e não a todas as que os particulares desejem invocar. Transpondo para o nosso ensaio, parecem não haver dúvidas que o acto do Conselho de Justiça de confirmação da decisão da Comissão Disciplinar produziu efeitos jurídicos nas relações entre os Interessados e a Federação Popular de Futebol, na medida em que o “Oporto” e o”Belavista” não só perderam pontos na classificação assim como aquele último foi despromovido para uma liga de escassa importância, o que terá um relevo negativo de soberbo no que diz respeito à arrecadação de receitas; o presidente do “oporto” continuaria suspenso das suas funções desportivas no âmbito da sua pessoa colectiva de natureza desportiva.

Legitimidade activa nos termos do artigo 55.º do CPTA
Neste âmbito vamos fazer alusão a duas posições doutrinárias no que se refere à interpretação deste preceito. Para efeitos da alínea a) tem legitimidade para impugnar um acto administrativo, quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. O professor Vasco Pereira da Silva defende que é necessária a existência de um direito afectado ou potencialmente afectado para que se possa reagir contra a causa administrativa desta potência ou afectação. Tal não se mostra difícil porque este ilustre professor adopta uma concepção de direito extremamente abrangente, (estaria aqui em causa o direito a jogar na 1ª liga, bem como o de manter os pontos retirados e de poder exercer funções de direcção de uma pessoa colectiva de carácter desportivo).
A posição do Professor Mário Aroso de Almeida e do Professor Carlos Cadilha é, no entanto, outra. Dizem estes administrativistas no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos (pagina 331), que é suficiente um interesse de facto (um mero interesse processual); não se confinando à titularidade de uma relação jurídico administrativa, e abrangendo também situações em que o acto administrativo se repercute apenas indirectamente na esfera dos cidadãos. O interesse directo e pessoal traduz-se assim, num benefício, utilidade ou vantagem de natureza patrimonial ou moral, que poderá advir da anulação do acto impugnado e que pode não corresponder à titularidade de um direito subjectivo ou interesse legalmente protegido, mas à simples detenção de um mero interesse de facto.
Quanto à possibilidade de o Presidente do Conselho de Justiça impugnar a decisão tomada pelo seu órgão:
A sua legitimidade activa está consagrada na alínea e) do nº1 do artigo 55.º do CPTA, o qual se encontra em harmonia com o disposto no nº4 artigo 14.º do CPA, que pretendeu atribuir ao presidente um poder de fiscalização da legalidade do órgão colegial a que preside. É também relevante dizer que a restrição contida no final da alínea e) (“nos casos previstos na lei”) não é aplicável à impugnação pelo presidente do órgão colegial, dado que o comando do artigo 14.º tem vocação genérica.
Uma questão ainda não levantada, é a de saber a quem incumbe o exercício do contraditório quando uma deliberação do órgão colegial tenha sido impugnada pelo seu presidente. Em regra é o presidente que representa em juízo o órgão a que preside, mas havendo no nosso caso uma situação de conflito de interesses, estaremos perante uma situação de impedimento que se encaixa na alínea a), do artigo 44.º do CPA, devendo desta forma e de acordo com o acórdão do STA de 4 de Março de 1997, com anotação concordante de Freitas do Amaral, serem os membros que votaram favoravelmente a deliberação, quem deve defender a sua legalidade, através da nomeação de mandatário judicial. É ao próprio órgão que cabe o exercício do poder de contraditório mas com uma representação em juízo de natureza excepcional ou especial.

Continuação de bom trabalho.
Rafaela Sobreiro e José Nunes

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Boa noite,

O Luís tem toda a razão: de facto, é de aplicar o artigo 18.º da nova Lei de Bases do Desporto. Parece-me, no entanto, que a nova redacção do artigo sobre Justiça Desportiva (por contraposição à redacção do artigo 47.º da antiga lei de bases) não vem exactamente densificar o que se entenda por "matéria estritamente desportiva", uma vez que a redacção do 18.º n.º2 se manteve praticamente idêntica à do revogado 47.º n.º2, apenas tendo sido explicitamente afastada a classificação de "matéria estritamente desportiva" (e por conseguinte, insusceptível de ser objecto de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva) dos casos de xenofobia e racismo, no artigo 18.º n.º3 (por contraposição ao artigo 47.º n.º3 que apenas referia os casos de dopagem, violência e corrupção). Isto, aliás, parecia decorrer já da definição de matéria estritamente desportiva dada pelo artigo 47.º n.º2 da antiga lei de bases a contrario, ou dos princípios gerais de direito constitucional.

Se considerarmos que nem mesmo a nova lei nos permite entender completamente o conceito de "matéria estritamente desportiva", a jurisprudência pode dar alguma ajuda.

No seu sumário, um acórdão do STA de 07-06-2006 densifica o conceito de "matéria estritamente desportiva". No entender do tribunal, a definição do conceito de "matéria estritamente desportiva" deve ter na sua base a definição do conceito do que são as "leis do jogo" (e, de forma semelhante, o que são os regulamentos e as regras de organização das competições).
Transcrevendo o acórdão mencionado, "por leis do jogo deve entender-se o conjunto de regras que, relativamente a cada disciplina desportiva, têm por função definir os termos da confrontação desportiva e que se traduzem em regras técnico-desportivas que ordenam a conduta, as acções e omissões, dos desportistas nas actividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas."

Penso que margem para dúvidas na classificação de matéria como estritamente desportiva ou não existirá sempre, mas, sem termos mais dados do caso concreto, parece-me que esta densificação será suficiente.
Se dermos, contudo, por assente que, à semelhança do que aconteceu no caso real, estamos aqui perante um caso de corrupção, sabemos que existe um afastamento explicito da classificação de "matéria estritamente desportiva", nos termos do artigo 18.º da nova lei de bases.

Quanto à segunda questão posta pelo Luis, relativa à separação de poderes ou ao livre acesso aos tribunais, cabe, talvez, analisar o mérito da admissibilidade da apreciação exclusiva da "matéria estritamente desportiva" pelas instâncias competentes na ordem desportiva, sem caber recurso para os tribunais administrativos, por exemplo.

Citando, agora, um acórdão recente do STA de 11-02-2008, no seu sumário:
"Face à garantia constitucional do direito ao recurso contencioso de todos os actos administrativos lesivos, impõe-se uma interpretação restritiva (...), de modo a não se considerarem questões estritamente desportivas subtraídas à jurisdição do Estado, as decisões que ponham em causa direitos fundamentais, direitos indisponíveis ou bens jurídicos protegidos por outras normas jurídicas para além dos estritamente relacionados com a prática desportiva." O acórdão dá, aliás, o exemplo da “corrupção” como um dos casos em que não estamos perante matéria estritamente desportiva, o que poderá ser relevante para o nosso caso.

Assim, o acesso ao contencioso administrativo, numa lógica subjectivista, deve ter por medida a lesão do direito do particular, concretizada, por exemplo, na impugnação de actos administrativos lesivos. Para que a nova lei de bases do desporto e, nomeadamente, o seu artigo 18.º estejam conformes à Constituição e à legislação contenciosa administrativa, o entendimento do que é matéria estritamente desportiva deve ser sempre suficientemente restrito para que aos particulares seja sempre permitido recorrer de actos que lesem posições substantivas de vantagem decorrentes de "direitos fundamentais, direitos indisponíveis ou bens jurídicos protegidos por outras normas jurídicas para além dos estritamente relacionados com a prática desportiva".

Penso que, nestes termos, a noção de “matéria estritamente desportiva” não violará de forma inadmissível o princípio do livre acesso aos tribunais.

A questão das sanções a nível internacional (penso que nos estamos a referir a pressões exercidas pela FIFA no sentido de punir os membros que recorram das decisões proferidas pelas instâncias desportivas para os tribunais administrativos, por exemplo) é mais delicada e, uma vez que o post já vai longo, reservo a sua análise para outro dia :)

Cumprimentos,
Clara

A MATÉRIA DESPORTIVA

As colegas Johanna e Clara referem um ponto muito interessante ao levantar o já conhecido problema da “matéria estritamente desportiva”. Este post serve fundamentalmente para actualizar as suas referências legislativas.

Existe, de facto, na nossa ordem jurídica interna, uma proibição do recurso “fora das instâncias competentes na ordem desportiva” relativamente a “decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas”, em cumprimento das obrigações decorrentes das relações que a nossa FPF mantém com os principais órgãos internacionais de futebol (UEFA e FIFA). Podemos encontrar esta proibição no artigo 18º nº2 da nova Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (Lei nº 5/2007, de 16 de Janeiro), que revoga a antiga lei de bases referida pelas colegas. 

Assim sendo, no âmbito do futebol profissional, quando a matéria em análise no litígio seja estritamente desportiva, caberá recurso somente ao Conselho de Justiça da FPF.

O nº3 do já referido art. 18º parece querer resolver a questão, sem deixar margem para interpretações contraditórias - São questões estritamente desportivas as que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, enquanto questões emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas competições. 

Creio que a nova redacção deste artigo permite-nos densificar melhor aquilo que é matéria estritamente desportiva, ultrapassando a grande incerteza que se denotou há uns anos quando esta norma foi invocada pelo Presidente do Gil Vicente FC para justificar o seu recurso aos tribunais administrativos. Aliás, ele explicava que “matéria estritamente desportiva é sabermos se um cartão foi bem ou mal atribuído ou se a bola passar só um pouco por cima da linha valerá ou não como golo”...

Como refere a Clara, não conhecendo o motivo das sanções aplicadas aos clubes de futebol e seus respectivos presidentes, poderemos traçar um paralelo com o caso da vida real para determinar que terá sido com base em acusações de corrupção das competições profissionais em estes clubes participavam. O art. 18º nº4 da referida lei, explica que as deliberações e decisões relativas a infracções cometidas no âmbito da corrupção não são de matéria estritamente desportiva.

Concordo, por isso, tal como as minhas colegas, em permitirmos no nosso caso o recurso aos tribunais administrativos, mas levanto a seguinte questão – será que a noção de “matéria estritamente desportiva” já se encontra suficientemente explicitada, ou ainda há margem para dúvidas e para casos em que o recurso aos tribunais administrativos, ou até cíveis, poderá trazer sanções a nível internacional? Ao que se reduzirá então a separação de poderes e o livre acesso aos tribunais?

Cumprimentos,

Luís Salema

Sistematização das questões abordadas e discussão sobre a actuação do Oporto FC

a) Se o julgamento do litígio em análise compete à jurisdição administrativa;
Concordo com o que a Joana disse no seu post e com a aplicação do artigo 4.º n.º1 d) defendida pelos meus colegas. Acho que a grande questão que se põe (sobre esta matéria) é a de saber se estamos ou não perante matéria “estritamente desportiva”. O recurso para os tribunais administrativos está, como a Joana explicou, restringido aos casos em que a matéria não seja estritamente desportiva. O artigo 47.º da Lei de Bases do Desporto determina o que é e o que não é matéria estritamente desportiva. O nosso caso não nos diz muito sobre o motivo da punição dos clubes de futebol Oporto FC, Belavista FC e respectivos presidentes. No entanto, se atendermos a uma eventual aproximação com o caso real que terá servido de inspiração ao caso que estamos a discutir, o n.º3 do artigo 47.º parece vedar a atribuição da classificação de “matéria estritamente desportiva” a infracções à ética desportiva no âmbito da corrupção, o que nos permite concluir que caberá recurso para os tribunais administrativos. De qualquer das formas, na falta de dados, acho mais simples admitirmos que este recurso é permitido.

b) Se o presidente do Conselho de Justiça tem legitimidade para reagir processualmente da decisão do Conselho a que preside;
Como vimos numa aula prática, o presidente do Conselho de Justiça tem legitimidade para reagir processualmente da decisão ao Conselho a que preside, nos termos do artigo 14.º n.º4 do CPA: “o Presidente (...) pode interpor recurso contencioso e pedir a suspensão jurisdicional da eficácia das deliberações tomadas pelo órgão colegial a que preside que considere ilegais.”

c) Admitindo que a questão se integra no âmbito da jurisdição administrativa, qual seria o tribunal competente para a apreciação do litígio?
Mais uma vez no seguimento das discussões sobre o caso que se proporcionaram na aula prática, parece-me que faz algum sentido assentar que o Tribunal competente será, como disseram o David e a Rute, um Tribunal Administrativo de Círculo (art. 44.º n.º1 ETAF). Contudo, parece-me mais rigoroso dizer que relevante para a determinação da competência territorial do Tribunal será, nos termos do artigo 20.º n.º1 do CPTA, a área da sede da Federação Popular de Futebol e não do Conselho de Justiça, que é apenas um dos seus órgãos, de acordo com o artigo 1.º do Regimento do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol e com o artigo 12º nº1 al. f) dos Estatutos da FPF, admitindo, na falta de danos fornecidos pela hipótese, que estamos perante situações análogas.


Passando agora às questões levantadas pelo David e pela Rute quanto à actuação do Oporto FC:
Parece-me que é importante fazer uma distinção prévia: existem, na verdade, duas decisões que importa considerar. Por um lado, (1) a decisão de encerramento da reunião por parte do Presidente do Conselho de Justiça e, por outro lado, (2) a decisão tomada após o pretenso encerramento da reunião, por parte dos restantes membros do Conselho de Justiça, no sentido de negar provimento aos recursos interpostos pelo Oporto FC e pelo Belavista FC.

Na minha interpretação do caso, o que o que o Oporto FC quer fazer é impugnar a decisão tomada pelos membros do Conselho de Justiça depois do alegado encerramento da reunião, e, aliás, precisamente porque a reunião teria sido encerrada. Se considerarmos, no entanto, que o encerramento da reunião foi, em si mesmo, um acto nulo, a reunião prosseguiu validamente e, ainda, com quórum.
De facto, um acto nulo, nos termos do artigo 134.º n.º1 do CPA, não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade. A nulidade dá-se por efeito automático da lei.
Quanto à questão do quórum, nos termos do artigo 22.º do CPA, os órgãos colegiais só podem, regra geral, deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros com direito a voto. Se cinco dos sete membros continuaram a reunião, havia quórum. Se considerarmos que é de aplicar lei especial, e partindo do princípio que o Regime deste Conselho de Justiça será igual ou semelhante ao Regimento do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, também o seu artigo 5.º exige apenas a presença da maioria dos membros. Por uma via ou por outra, há sempre quórum.
Assim, na minha opinião, o Oporto FC não quer impugnar esta segunda deliberação porque o quorum exigido não foi observado (já vimos que em princípio terá sido), e muito menos porque a decisão foi tomada tumultuosamente. Na verdade, tumultuosa poderá ter sido, eventualmente, a primeira parte da reunião. A segunda parte da reunião (ou a segunda reunião se considerarmos que a primeira foi encerrada validamente pelo Presidente) terá decorrido pacificamente. Nem razões existiriam para que não tivesse decorrido pacificamente, uma vez que o alegado tumulto que se verificou na (primeira parte da) reunião teria sido provocado por uma divergência entre o Presidente e um dos Vogais, sobre questões de eventuais impedimentos de um e de outro. Ora, tendo o Presidente encerrado (?) e abandonado a reunião, podemos presumir com alguma segurança que o resto da reunião terá decorrido de forma calma (o caso nada nos diz sobre isto, mas parece razoável fazer esta presunção, mesmo sem recorrer a uma analogia com o caso semelhante que se passou no panorama português).

Acho que podia ser interessante analisarmos, primeiro, a primeira parte da reunião e a decisão de encerramento, uma vez que as conclusões a que chegarmos sobre estas matérias, permitir-nos-ão discutir sobre a decisão de continuar a reunião (podia ser tomada? Devia ser tomada?) e, consequentemente, sobre a validade das decisões tomadas nessa reunião e sobre os meios processuais através dos quais é possível reagir contra essas mesmas decisões.

Outra questão sobre a qual acho que podia valer a pena debater um pouco (e cuja análise poderá ser feita sem termos que ter em atenção o seguimento cronológico dos factos apresentados pelo caso), é a da legitimidade passiva neste tipo de situações. Nos termos do artigo 10.º do CPTA, a parte demandada deve ser uma pessoa colectiva, como é, por exemplo, a Federação Popular de Futebol e não o Conselho de Justiça (órgão da FPF). Contudo, o n.º 4 determina que deve ser considerada “regularmente proposta a acção quando na petição tenha sido indicado como parte demandada o órgão que praticou o acto impugnado ou perante o qual tenha sido formulada a pretensão do interessado, considerando-se, nesse caso, a acção proposta contra a pessoa colectiva pública (...) a que o órgão pertence.”. O artigo 78.º n.º3 do CPTA também dispõe que, na petição inicial, “a indicação do órgão que praticou ou devia ter praticado o acto é suficiente para que se considere indicada, quando o devesse ter sido, a pessoa colectiva (...) pelo que a citação que venha a ser dirigida ao órgão se considera feita, nesse caso, à pessoa colectiva (...) a que o órgão pertence.”

Parece-me que se podem colocar duas questões, uma de cariz mais prático e outra de cariz mais teórico:
1. Poderá a Federação Popular de Futebol, pessoa colectiva (privada) de utilidade pública, ser demandada nos termos do artigo 10.º n.º2 do CPTA, que apenas se refere a pessoas colectivas públicas?
2. No seguimento do que nos foi transmitido nas aulas teóricas, faz sentido continuar a defender “o dogma da impermeabilidade da pessoa colectiva” e a sua aplicação à determinação da legitimidade passiva no contencioso administrativo?

Boa semana a todos,
Clara Pereira

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Meio Procesual do Oporto

Nota Prévia: este “post” pretende colocar a questão na perspectiva de qual o meio processual a que o “Oporto FC” deve recorrer por forma a tutelar os seus interesses.
Caros colegas e professores,
Em nosso entender, a primeira questão que deveremos colocar é de saber qual a forma processual que o “Oporto FC” deve utilizar no intuito de defender os seus direitos e interesses juridicamente protegidos.
Nessa medida, consideramos que a forma processual mais adequada ao caso vertente é a acção administrativa especial, tendo em atenção o disposto no art. 46.º n.º 1 e n.º 2 al. a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Assim, recorrendo à acção administrativa especial, o “Oporto FC” deverá formular um pedido de declaração de nulidade do acto administrativo da autoria da Comissão de Justiça, o qual resultou na reiteração da decisão da Comissão Disciplinar em penalizar o clube com a subtracção de seis pontos. Note-se que esta subespécie da acção administrativa especial vem regulada no CPTA no artigo 50.º e seguintes.
De seguida, é de todo relevante afirmar que o “Oporto FC” entende que o acto administrativo referido é nulo, uma vez que a sua deliberação foi tomada com inobservância do quórum exigido e foi tomada tumultuosamente (art. 133.º n.º 2 al. g do Código de Processo Administrativo, CPA). Neste sentido, a decisão proferida pela Comissão de Justiça, pessoa colectiva privada de utilidade pública, é impugnável (art. 51.º n.º 2 in fine CPTA).
No que respeita a legitimidade activa, o “Oporto FC” pode propor esta acção, tendo em atenção o disposto no art. 55.º n.º 1 al. a) do CPTA, que concretiza a regra geral do art. 9.º n.º 1 do mesmo diploma legal. No caso concreto, face à inexistência de contra-interessados (art. 57.º CPTA), apenas existe a necessidade de demandar a entidade autora do acto impugnado, ou seja, a Comissão de Justiça (art. 10.º CPTA).
Outro dos pressupostos processuais que é necessário analisar consiste nos prazos que o autor deve observar para propositura da acção. Na verdade, uma vez que o “Oporto FC” pretende obter a declaração de nulidade do acto (sendo este vício invocável a todo o tempo) não existe qualquer prazo legal a observar, atendendo ao disposto no artigo 134.º n.º 2 CPA e 58.º n.º 1 CPTA.
Por último, resta-nos apreciar o âmbito de jurisdição, tendo em conta a competência jurisdicional em razão da matéria. Deste modo, consideramos que os Tribunais Administrativos são competentes, atendendo ao artigo 4.º n.º 1 al. d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). Quanto à competência hierárquica, julgamos que o autor deve propor a acção no Tribunal Administrativo de Círculo (art. 44.º n.º 1 ETAF), sendo necessário determinar qual a sede da Comissão de Justiça, pois é no tribunal da área da sede da pessoa colectiva demandada que a acção deve ser proposta (art. 20.º n.º 1 CPTA).
Neste “post” suscitámos as questões processuais que considerámos relevantes. No entanto, em momento posterior pretendemos abordar os aspectos materiais do caso em apreço, na exacta medida em que a sua influência nas opções que aqui tomámos é evidente.
Até amanha,
Rute Carvalho da Silva
David Nunes Fernandes

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Recurso por parte do Oporto FC

Caros colegas,

Para que a discussão não fique desactualizada, parece-me pertinente colocar o comunicado emitido pela SAD do Oporto FC referente à interposição de recurso da sentença a que o nosso caso refere.
Penso que é de notar especialmente o ponto três, onde se refere a não aceitação dos factos que foram imputados ao Oporto FC, bem como o ponto sete, no qual se refere o facto do STA ter decidido pela ilegalidade da utilização das escutas no processo. Sendo esta uma, se não a maior razão do clube ter decidido recorrer da decisão que contemplou a perda de 6 pontos na época passada bem como, a suspensão do seu presidente.
Bom resto de semana

COMUNICADO

A Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD informa o seguinte:

1 - Hoje, o departamento jurídico da Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD interpôs, na Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, um Recurso de Revisão das decisões disciplinares condenatórias de que foi destinatária no passado dia 9 de Maio de 2008;

2 - Por sua vez, o Presidente Jorge Nuno Pinto da Costa, hoje também, apresentou ao mesmo órgão de jurisdição desportiva um recurso da decisão disciplinar conhecida no dia 3 de Novembro;

3 - O facto da Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD ter optado por esta intervenção num processo disciplinar, em relação ao qual anteriormente tinha decidido não reagir, não significa qualquer alteração na sua estratégia jurídica, designadamente no propósito de obter benefício da defesa que tem vindo a ser feita pelo Presidente Jorge Nuno Pinto da Costa – tal como a sua primeira decisão não traduzia uma aceitação dos factos que lhe eram imputados;

4 - Na verdade, no passado mês de Maio, a Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD viu-se obrigada a um esforço de contenção face ao clima de instabilidade e desusada crispação que tinha vindo a ser promovido no futebol português – foi, também, devido à intenção de não proporcionar maior turbulência às competições de futebol profissionais que a Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD entendeu por bem não assumir uma intervenção processual própria, até por estar consciente que a defesa do Presidente Jorge Nuno Pinto da Costa em tudo aproveitaria aos seus melhores interesses;

5 - Entretanto, no passado dia 30 de Outubro, o Supremo Tribunal Administrativo, ao decidir um processo proposto pelo Exmo. Senhor João Alberto Amado Bartolomeu, declarou a ilegalidade da utilização em processo disciplinar das transcrições das escutas obtidas em processo-crime;

6 - O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de um modo claro e inequívoco, acompanhou a posição que a defesa do Presidente Jorge Nuno Pinto da Costa tinha vindo sucessivamente a defender quer em sede de processo disciplinar, quer junto dos tribunais administrativos;

7 - O Supremo Tribunal Administrativo fê-lo de um modo impressivo e manifesto, concluindo pela evidente ilegalidade da manutenção no processo disciplinar das gravações das escutas, por tal constituir uma violação de um direito fundamental;

8 - Perante tal assertividade de um Tribunal Superior, a Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD não poderia ficar indiferente;

9 - Não apenas por esta decisão ir exactamente no mesmo sentido que o Presidente Jorge Nuno Pinto da Costa (logo, também, a Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD) tinha, desde sempre, subscrito mas, sobretudo, devido à transparência das razões de Justiça que se revelam naquela decisão judicial;

10 - Os casos juridicamente semelhantes exigem soluções equivalentes – ao contrário, o tratamento desigual configura uma flagrante injustiça;

11 - E se o futebol português quiser ser sério e isento terá de ser colocado um fim a certas aparências de esforços persecutórios e iniciar-se, finalmente, uma era em que os princípios e a lógica do Direito sejam interpretados e aplicados de formal igual para todos os agentes desportivos;

12 - A Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD e o seu Presidente Jorge Nuno Pinto da Costa não aceitam ser vítimas em todo o redemoinho destes processos;

13 - E se alguma imprensa, com uma leviandade que já não consegue surpreender ninguém, se habituou a condenar a priori e sem provas legítimas nem a concessão dos regulares direitos de defesa aos que tanto gosta de acusar, o mesmo não poderá suceder com órgãos de natureza administrativa e jurisdicional, que têm o dever de aplicar o direito de acordo com a melhor lógica e imparcialidade que o dever de julgar exige num Estado de Direito.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Referência à lei especial

Caros colegas,
Quanto às questões suscitadas, concordo com as respostas dadas pelos meus colegas nomeadamente quanto à aplicação do art.4º;1 d) do ETAF admitindo o paralelismo com a Federação Portuguesa de Futebol à qual foi atribuída utilidade pública.
Queria apenas acrescentar um ponto que me parece de alguma importância que se prende com a questão de saber se estamos perante um acto estritamente desportivo porque se for o caso, de acordo com o artigo 47º;1, da lei de bases do desporto nº30/2004 de 21 de Julho o recurso não será admitido fora das instâncias competentes da ordem desportiva. No número 2 do mesmo artigo vem esclarecer o que se deve entender por questão estritamente desportiva e, a meu ver, não se enquadra no nosso caso dado que apenas serão consideradas como tais aquelas que ocorram no âmbito da competição e que tenham natureza técnica, sendo dotadas de demasiada especificidade para ser apreciadas por outras instâncias.
Os Estatutos da FIFA vêm igualmente estabelecer a mesma disposição quanto às medidas displicinares que dizem respeito a questões estritamente desportivas, tal como se pode verificar no artigo 57º do mesmo diploma, e o seu artigo 64;2 vem proibir o recurso a Tribunais Comuns e, embora não especificando o âmbito material, parece que se deve interpretar esta proibição como apenas abrangendo as medidas disciplinares do artigo 60º dos Estatutos da FIFA.
Deste modo, parece que não há qualquer obstáculo na lei geral ou especial para que a apreciação da questão seja feita pelos Tribunais Administrativos e Fiscais e, neste sentido, será competente o Tribunal de Círculo da sede da maioria dos autores de acordo com o artigo 16º do CPTA sendo que não cabe no âmbito da competência do Supremo Tribunal Administrativo de acordo com o artigo 24º do ETAF.
Boa semana a todos!

domingo, 2 de novembro de 2008

Esclarecimentos...

Nas intervenções que anteriormente fiz preferi não transpor o caso real que conhecemos para a nossa hipótese. Isto porque, estamos perante uma “hipótese meramente académica” e parece-me que nos devemos cingir ao máximo aos dados que nos foram fornecidos, apesar de os podermos complementar com alguns factos. Ao conduzirmos a discussão para o caso da vida real estaríamos a trazer um vasto conjunto de normas existentes que mudariam muitas possibilidades de controvérsia e nos dariam mais facilmente respostas. Por isso, preferi não fazer um completo paralelo com o célebre caso real, abrindo portanto hipóteses.

Pareceu-me relevante a questão da natureza jurídica da pessoa colectiva na qual se inserem os órgãos da hipótese para saber se as normas do CPA se aplicavam à sua actuação. Concluindo pela natureza privada das Federações desportivas, embora dotadas de utilidade pública (opinião dominante), pareceu-me que a disposição mais adequada para justificar a aplicação dos preceitos do CPA seria o artigo 4.º, n.º 2 que fala em instituições particulares de interesse público, com a pequena ressalva de tais disposições terem que ser mandadas aplicar por lei às actuações dos órgãos tal como refere o preceito. Parece-me que o facto de estarem em causa entidades com utilidade pública não faz com que sejam desde logo aplicáveis as normas do CPA. Parece ter que haver uma lei, por exemplo um diploma da Federação desportiva, que expressamente admita a aplicação das normas do CPA no tocante à actuação dos seus órgãos, por exemplo, fazendo uma remissão genérica para o CPA, ou mandando aplicar este diploma subsidiariamente, no caso de ocorrerem omissões nos regimes jurídicos dessas entidades privadas. Para ter a certeza da aplicação das normas do CPA à actuação da Comissão Disciplinar ou do Conselho de Justiça teríamos que recorrer aos diplomas que regem tais órgãos e ver se há algum tipo de remissão para as normas do CPA. A não existir teríamos que recorrer meramente aos referidos diplomas para saber se, por exemplo, o encerramento da reunião pelo Presidente do Conselho de Justiça era possível nas circunstâncias concretas da hipótese. Não temos conhecimento desses regimes, a menos que entremos pelo caso da vida real. Por essa razão, optei por presumir que alguma norma nos remete para o CPA. E por essa razão também, recorri, por exemplo, ao artigo 14.º CPA para saber se o Presidente de um órgão colegial tem poderes para encerrar antecipadamente uma reunião. Sei, porém, que poderão existir normas especiais que regulam a actuação da Comissão Disciplinar e do Conselho de Justiça, as possibilidades de recurso interno, os poderes do Presidente, etc. Mas na falta delas, recorri ao CPA.


Até amanhã!

OS ÓRGÃOS DO FUTEBOL PORTUGUÊS

Boa tarde a todos.

Queria voltar atrás a uma questão que me parece tenha ficado por resolver...

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Nesta simulação somos confrontados com as actividades de dois órgãos, cuja natureza será importante determinar para efeitos da posterior análise das suas decisões e da competência da justiça administrativa para decidir o caso. É importante saber com o que é que estamos a lidar.

Creio que tal exercício se subsumirá, como já explicou o colega Diogo, à necessidade de preenchimento de factos importantes. 

São as decisões da Comissão Disciplinar da “Liga Cash and Carry de Futebol” que despoletam todo este litígio. Será possível, dadas as semelhanças com um caso recente e que todos conhecemos, estabelecer um paralelo entre a “Liga Cash and Carry de Futebol” e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP). Este é um órgão, autónomo da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), que gere os assuntos inerentes à organização e prática do futebol profissional e das suas competições, organizando, regulamento e explorando comercialmente as competições de carácter profissional que se disputam no âmbito da FPF. 

Temos então que no âmbito da prática futebolística a nível nacional vale, em geral, a palavra da FPF. Por sua vez, a LPFP intervém quando estão em causa questões relacionadas com o futebol profissional, como é o caso quando duas equipas profissionais são penalizadas pelas acções ilegais dos seus dirigentes.

Nos Estatutos da LPFP (disponíveis em www.lpfp.pt) é estabelecido o seguinte, logo no primeiro artigo:

“A Liga Portuguesa de Futebol Profissional é uma associação de DIREITO PRIVADO, que se rege pelos presentes Estatutos, pelos Regulamentos que de acordo com eles forem emitidos e pela legislação aplicável”.

A Comissão Disciplinar desta associação de direito privado é um dos seus órgãos, nos termos do art. 12º nº1 al. g) dos Estatutos. A esta compete, a nível geral, exercer o poder disciplinar sobre os associados membros, instaurando, instruindo e julgando os processos disciplinares e aplicando as correspondentes sanções (art. 59º nº1 dos Estatutos da LPFP).

O exercício deste poder disciplinar sobre os agentes participantes nas competições profissionais encontra-se vinculado a um Regulamento Disciplinar. Nos termos do art. 204º deste Regulamento pode sempre haver recurso das decisões proferidas em processo disciplinar, sumário, sumaríssimo ou protesto de jogo, ao Plenário da Comissão Disciplinar. Para tal efeito, o art. 205º estabelece que têm legitimidade para interpor recurso o infractor ou terceiros legitimamente interessados.

Então porque é que o “Belavista FC” e o Presidente do “Oporto FC” interpuseram recurso para o Conselho de Justiça da “Federação Popular de Futebol”? Que relação terá este Conselho de Justiça com a Comissão Disciplinar da “Liga Cash and Carry de Futebol”? Porque não recorrer até aos tribunais administrativos?

Para responder a esta pergunta creio que será necessário estabelecer outro paralelo, desta vez entre a “Federação Popular de Futebol” e a nossa já conhecida Federação Portuguesa de Futebol.

A FPF, tal com a LPFP, é também uma pessoa colectiva de direito privado, conforme estabelece o art. 1º dos seus Estatutos. Dita o art. 2º que esta tem por principal objecto promover, organizar, regulamentar e controlar o ensino e a prática do futebol, em todas as especialidades e competições. Nos termos do art. 4º nº2 al. c), a LPFP é sócio ordinário da FPF, com todos os direitos e deveres que tal denominação acarreta.

E o Conselho de Justiça? Este é um órgão social da FPF (art. 12º nº1 al. f) ). Interessa saber que no elenco das suas competências se encontra incluída a capacidade para conhecer e julgar os recursos das deliberações da Comissão Disciplinar da LPFP (art. 47º nº1 al. b) ).

Podemos então, tendo preenchido estes detalhes, concluir o seguinte acerca da natureza jurídica dos órgãos envolvidos, que nos ajudará na análise do caso:

a) A “Liga Cash and Carry de Futebol” e a “Federação Popular de Futebol” serão ambas, tais como os seus reflexos na sociedade portuguesa real, pessoas colectivas de direito privado;
b) Cabe recurso das decisões da Comissão Disciplinar da “Liga Cash and Carry de Futebol” para o Conselho de Justiça da “Federação Popular de Futebol”.

Estando perante duas pessoas colectivas de direito privado, porque é que haveremos de aplicar ao caso normas de direito administrativo, nomeadamente o regime do CPA relativo ao funcionamento de órgãos colegiais? 

O colega Diogo refere a declaração de utilidade pública desportiva da FPF, na vida real, e a consequente aplicação subsidiária do CPA e CPTA às omissões a nível estatutário. Concordo que a solução terá que seguir este caminho.

São pessoas colectivas de utilidade pública as associações ou fundações que prossigam fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com a Administração Central ou a Administração Local, em termos de merecerem da parte desta administração a declaração de «utilidade pública»” (art. 1º nº1 do Decreto-Lei nº 460/77). Mais concretamente, o estatuto de utilidade pública desportiva atribui a uma federação desportiva, em exclusivo, a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes de natureza pública (art. 7º do Decreto-Lei nº144/93 – Regime Jurídico das Federações Desportivas).

Tal lógica aponta para a aplicação do CPA a entidades de natureza jurídico-privada (mas materialmente administrativa), nos termos do seu art. 2º nº4. 

Concordo, neste ponto, com a colega Teresa, mas pergunto-lhe o que entende por “mandados aplicar por lei”. É certo que estas federações servem, a vários níveis, o interesse público, mas tenho sérias dúvidas sobre onde poderemos encontrar tal “ordem” de aplicação das normas do CPA… Será que poderemos considerar que a declaração de utilidade pública se traduz numa remissão implícita?

Não me parece que será relevante estarmos a discutir os termos da concessão de utilidade pública a uma federação que trate do futebol. Contudo, irei reservar para outro momento a discussão da relevância do factor interesse público na célere e racional solução deste litígio.

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Votos de continuação dum bom fim de semana.

Luís

Estimados Colegas e Professores,

“Tanto o Presidente do Conselho de Justiça, como o Belavista F.C., como ainda o presidente do Oporto F.C. contestam a legalidade da reunião e põem em causa a validade das decisões nela tomadas, propondo-se utilizar para o efeito todas as vias processuais “ao seu alcance” da Justiça Administrativa.”

a)

Quanto à primeira questão sobre a competência da jurisdição administrativa, atentemos aos artigos 211.º, n.º1 e 212.º, n.º 3 CRP, dos quais se afere que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurisdicionais” e que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações administrativas e fiscais” (cfr. art. 1.º ETAF). Ora, qual o litigio em causa na nossa hipótese? Parece estar em causa a legalidade dos actos dos órgãos da Federação desportiva. Assim, para sabermos se um litígio emergente da prática de actos por órgãos de uma Federação Desportiva cabe, ou não, na jurisdição dos tribunais administrativos importa atentar ao art. 4.º ETAF, norma sobre o âmbito da jurisdição administrativa que contém uma enumeração não taxativa dos litígios que cabem no foro administrativo.

Referi na minha última análise a problemática da natureza jurídica destas Federações. E concluí que, não obstante as possíveis divergências de qualificação, a opinião dominante tem sido a de que “as federações desportivas gerem um serviço público administrativo pelo que beneficiam para tal de prerrogativas de autoridade pública e, os actos praticados por tais entidades no cumprimento dessas funções públicas revestem pois a natureza de actos administrativos”. Note-se que nem todos os actos praticados por uma Federação Desportiva são actos materialmente administrativos. Apenas são administrativos os actos que traduzem o exercício de poderes públicos. Considerei também anteriormente que tanto as decisões da Comissão Disciplinar da Liga, de punição dos clubes de futebol “Belavista F. C.”, com a descida de divisão, e “Oporto F. C.”, com a perda de 6 pontos na época passada, como as decisões dos membros do Conselho de Justiça, são actos administrativos por estarmos no âmbito das funções públicas destes órgãos. Sabendo agora que os actos praticados pelos órgãos da Federação consubstanciam actos administrativos, coloca-se a questão de saber com que fundamento podemos afirmar que o foro administrativo é competente para apreciar da sua legalidade. É neste ponto que devemos recorrer ao artigo 4.º ETAF.

O artigo 4.º ETAF estabelece uma multiplicidade de critérios que delimitam o âmbito da jurisdição administrativa. Coloca-se o problema de saber em que alínea(s) do referido preceito se inserem os actos praticados pelos órgãos da Federações Desportiva. No nosso caso está em causa um litígio que tem por objecto a legalidade de actos praticados pelos mencionados órgãos no exercício das suas funções públicas. Parece-me que poderíamos invocar as alíneas b) ou d) do art. 4.º, n.º 1 ETAF, embora a resposta dependa da natureza jurídica que conferirmos às Federações Desportivas. Se entendermos que estamos perante pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública como parece ser a opinião claramente dominante e aquela que é consagrada no regime jurídico das Federações Desportivas, então parece-me que a alínea b) não é de aplicar, uma vez que se refere à legalidade dos actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público (e não de direito privado). Parece restar a alínea d) que nos diz que compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto “a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados (…) no exercício de poderes administrativos”. Note-se também que os actos praticados pelos órgãos da Federação não parecem caber no art. 4.º, n.ºs 2 e 3 ETAF que procedem a uma delimitação negativa da competência dos tribunais administrativos. Assim, entendemos que cabe à jurisdição administrativa o julgamento dos litígios emergentes de actos praticados pelos órgãos de uma Federação Desportiva, como parece ser o nosso caso, no exercício das suas funções públicas.


Continuação de um bom fim de semana e bom trabalho!