quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Notas estruturais

Caros colegas;
Após leitura, analise, discussão e consenso propusemo-nos a adicionar algum conteúdo ao eloquente blog de contencioso administrativo tomado como razoavelmente composto na sequência de óptimas intervenções de todos os colegas que até então deram as suas contribuições.
Fazendo um ponto de situação, damos como assentes os seguintes pressupostos de facto e de direito:
· A FPF é uma pessoa colectiva de direito privado, sem fins lucrativos, de tipo associativo. Foi declarada de utilidade pública desportiva, nesses termos, a FPF está oficialmente incumbida do que a doutrina administrativista designa como exercício privado de funções públicas.
· Um dos órgãos sociais da FPF é o CJ, a quem cabe o desempenho, entre outras, de funções de tipo disciplinar e jurisdicional – nomeadamente, o julgamento de recursos das decisões de vários órgãos da FPF, bem como das decisões da Comissão Disciplinar.
· Na orgânica actual do Direito Desportivo português, o CJ é o órgão jurisdicional e disciplinar máximo, pelo que as suas decisões, quando transitadas, constituem caso julgado, não havendo recurso delas para qualquer outro órgão social da FPF. Isto sem prejuízo, do recurso que a lei admita aos tribunais administrativos.
· Na nossa hipótese as sanções disciplinares aplicadas pela CD foram as seguintes:
1. O Belavista foi punido com a descida de divisão;
2. O Oporto foi punido com a perda de 6 pontos;
3. Os respectivos presidentes foram punidos com a suspensão de funções por um período de 4 e 2 anos, correspectivamente.
O presidente do Oporto e o Belavista recorreram para o órgão jurisdicional máximo a justiça desportiva o CJ. Na reunião do CJ, no dia 4 de Julho, o Presidente do CJ declarou não haver condições para continuar aquela reunião e decidiu encerrá-la antecipadamente. Os 5 vogais que ficaram na sala decidiram continuar a reunião, designando um presidente para apreciarem e votarem as decisões, tendo confirmado, sem alterações as decisões proferidas em 1ª instância pela CD.
Ora bem: não vamos voltar a debater-nos sobre o que leva o presidente de um órgão colegial a encerrar repentinamente, sem fundamento legal, uma reunião em que havia decisões urgentes a tomar. Corroboramos com a opinião daqueles que consideram que a decisão do presidente denota vários vícios, nomeadamente, ofensa de Constituição, violação da lei e desvio de poder, sendo nula devido à prossecução de interesses privados. À luz do Direito aplicável, sendo nula a decisão do presidente, esta será ineficaz, isto é, insusceptível de produzir quaisquer efeitos jurídicos, não tem qualquer componente de obrigatoriedade, logo, pode ser ignorada e até desobedecida por todos, operando de forma automática esta nulidade. Sendo assim, a continuação da reunião com apenas 5 vogais é perfeitamente lícita, obedecendo o quórum exigível.
Considerando as decisões tomadas, o que podem fazer o Belavista, o presidente do CJ e do Oporto?
Continuemos a discussão: no âmbito da justiça administrativa:
· Qual o tipo de acção adequada aos interesses em jogo?
· Estarão preenchidos os pressupostos processuais da legitimidade (já referido na intervenção dos colegas Rute Carvalho e David Fernandes) e da impugnabilidade do acto?
Começando a nossa exposição, e não querendo ser repetitivos, a acção adequada aos interesses sub analise será a acção administrativa especial, nos termos dos artigos 46.º , nº1 e nº2 alínea a), conjugado com o artigo 51.º nº2 do CPTA; para “suspensão da eficácia dos actos administrativos” imputados ao CJ e praticados durante a reunião daquele órgão no dia 4 de Julho. A noção de acto administrativo impugnável consagrada no primeiro dos supracitados preceitos é desta forma alargada, incluindo os actos materialmente administrativos aos quais o artigo 120.º do CPA não se refere. Os actos que são objecto (mediato) de impugnação são os seguintes: a possibilidade de reabertura da reunião do Conselho de Justiça, ainda que sem a presença do seu Presidente e vice-presidente e a validade das decisões tomadas por esse mesmo órgão nas circunstâncias já conhecidas.
A jurisdição administrativa competente deverá desta forma, por referência à pretensão anulatória dos interessados, não só ponderar e indagar da existência dos vícios arguidos pelos autores, como também averiguar da existência/inexistência de outras causas de invalidade, não determinando este factor uma ampliação da causa de pedir. Significa isto que o objecto da pretensão impugnatória centra-se, não nas concretas ilegalidades que são imputadas ao acto, mas no próprio acto (cfr. Artigo 95,nº2, o qual espelha uma manifestação do Princípio do inquisitório em sede de contencioso administrativo). O requerente não está no entanto dispensado, nos termos do artigo 78.º, nº2, alínea, g) do ónus de alegar os vícios por si conhecidos e que sirvam de fundamento ao pedido de declaração de nulidade ou anulação. Ainda que o objecto imediato seja a pretensão anulatória, o acto administrativo releva enquanto objecto mediato, uma vez que sobre ele se projectam os efeitos da sentença anulatória. Neste sentido tomamos esta circunstância como relevante para efeitos da verificação dos pressupostos processuais e das condições de procedência da acção impugnatória.
Impugnabilidade do acto:
Este requisito de impugnação do acto encontra-se previsto no artigo 51.º do CPTA. A primeira parte(nº1) deste preceito refere “são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa”. Segundo uma parte da doutrina administrativa são externos os actos que produzem efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a Administração e os particulares ou que afectem a situação jurídico-administrativa de uma coisa (por oposição aos actos internos). Coloca-se a questão de saber se esta eficácia externa também deverá ser requisito exigido para a impugnação de actos materialmente administrativos praticados por entidades privadas que actuem ao abrigo de normas de direito administrativo. Pensamos que sim, uma vez que a nível contencioso, a noção de acto impugnável é mais lata do que a contida no artigo 120.º do CPA devendo os pressupostos contenciosos de impugnação de actos ser iguais quer estes emanem de uma entidade integrada na administração pública ou não. O direito de acesso aos tribunais não é um direito absoluto cujo exercício não dependa de quaisquer pressupostos. É da maior importância cingir o acesso à justiça às situações efectivamente carecidas de tutela judicial e não a todas as que os particulares desejem invocar. Transpondo para o nosso ensaio, parecem não haver dúvidas que o acto do Conselho de Justiça de confirmação da decisão da Comissão Disciplinar produziu efeitos jurídicos nas relações entre os Interessados e a Federação Popular de Futebol, na medida em que o “Oporto” e o”Belavista” não só perderam pontos na classificação assim como aquele último foi despromovido para uma liga de escassa importância, o que terá um relevo negativo de soberbo no que diz respeito à arrecadação de receitas; o presidente do “oporto” continuaria suspenso das suas funções desportivas no âmbito da sua pessoa colectiva de natureza desportiva.

Legitimidade activa nos termos do artigo 55.º do CPTA
Neste âmbito vamos fazer alusão a duas posições doutrinárias no que se refere à interpretação deste preceito. Para efeitos da alínea a) tem legitimidade para impugnar um acto administrativo, quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. O professor Vasco Pereira da Silva defende que é necessária a existência de um direito afectado ou potencialmente afectado para que se possa reagir contra a causa administrativa desta potência ou afectação. Tal não se mostra difícil porque este ilustre professor adopta uma concepção de direito extremamente abrangente, (estaria aqui em causa o direito a jogar na 1ª liga, bem como o de manter os pontos retirados e de poder exercer funções de direcção de uma pessoa colectiva de carácter desportivo).
A posição do Professor Mário Aroso de Almeida e do Professor Carlos Cadilha é, no entanto, outra. Dizem estes administrativistas no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos (pagina 331), que é suficiente um interesse de facto (um mero interesse processual); não se confinando à titularidade de uma relação jurídico administrativa, e abrangendo também situações em que o acto administrativo se repercute apenas indirectamente na esfera dos cidadãos. O interesse directo e pessoal traduz-se assim, num benefício, utilidade ou vantagem de natureza patrimonial ou moral, que poderá advir da anulação do acto impugnado e que pode não corresponder à titularidade de um direito subjectivo ou interesse legalmente protegido, mas à simples detenção de um mero interesse de facto.
Quanto à possibilidade de o Presidente do Conselho de Justiça impugnar a decisão tomada pelo seu órgão:
A sua legitimidade activa está consagrada na alínea e) do nº1 do artigo 55.º do CPTA, o qual se encontra em harmonia com o disposto no nº4 artigo 14.º do CPA, que pretendeu atribuir ao presidente um poder de fiscalização da legalidade do órgão colegial a que preside. É também relevante dizer que a restrição contida no final da alínea e) (“nos casos previstos na lei”) não é aplicável à impugnação pelo presidente do órgão colegial, dado que o comando do artigo 14.º tem vocação genérica.
Uma questão ainda não levantada, é a de saber a quem incumbe o exercício do contraditório quando uma deliberação do órgão colegial tenha sido impugnada pelo seu presidente. Em regra é o presidente que representa em juízo o órgão a que preside, mas havendo no nosso caso uma situação de conflito de interesses, estaremos perante uma situação de impedimento que se encaixa na alínea a), do artigo 44.º do CPA, devendo desta forma e de acordo com o acórdão do STA de 4 de Março de 1997, com anotação concordante de Freitas do Amaral, serem os membros que votaram favoravelmente a deliberação, quem deve defender a sua legalidade, através da nomeação de mandatário judicial. É ao próprio órgão que cabe o exercício do poder de contraditório mas com uma representação em juízo de natureza excepcional ou especial.

Continuação de bom trabalho.
Rafaela Sobreiro e José Nunes

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