quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Invalidades, Contra-Interessados e Providências Cautelares

A pretensão de recorrer à acção administrativa especial de impugnação, por parte do “Oporto FC”, não pode deixar de se fundamentar, como foi já frisado em “posts” anteriores, na invalidade do acto que se pretende impugnar (conclusão que de resto se retira da letra do art.º50/1 CPTA). No caso controvertido, esse acto traduz-se nas decisões tomadas pelo Conselho de Justiça (CJ), com manifesta inobservância de diversas disposições legais, as quais lesam os legítimos interesses do clube. Coloca-se, no entanto, a questão de saber face a que tipo de invalidade estamos e, sobretudo, qual a sanção que a lei comina para o vício em causa.
A relevância das questões suscitadas é indiscutível. Se atendermos ao disposto no art.º 58º/1 CPTA, verificamos que a impugnação de um acto para o qual a lei determina a sanção de nulidade, ou inexistência, não está sujeita a qualquer prazo; em sentido inverso, o nº2 do mesmo artigo estabelece os prazos que devem ser observados para a propositura de uma acção de impugnação cujo objecto é um acto anulável.
Por outro lado, é necessário considerar os efeitos resultantes de um acto inválido. Efectivamente, o Prof. Freitas do Amaral afirma, no seu “Curso de Direito Administrativo”, que “...o acto anulável é juridicamente eficaz até ao momento em que venha a ser anulado...” por aplicação do art.º127/2 CPA a contrario. Por seu turno, o art.º134º/1 afirma peremptoriamente que o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos; sublinhe-se o termo “jurídicos”, pois que de um acto nulo podem ainda resultar efeitos de facto, aos quais se podem vir ainda reconhecer efeito jurídico (art.º134º/3 CPA).
Retomando a matéria dos prazos importa considerar que, pese embora o facto de serem dotados de uma forte componente processual, não devem ignorar-se os efeitos materiais que deles podem decorrer.
O problema que se coloca é então este: que sucede ao acto passível de anulação, após o decurso do prazo para a respectiva impugnação? A resposta a esta interrogação vem reforçar o que anteriormente se disse: os prazos não têm uma relevância exclusivamente processual.
A dúvida pode apenas ser uma: estaremos face a uma sanação do acto, ou seja, o que era inválido ab initio como que se transforma, conformando-se com o ordenamento jurídico? Ou será que o decurso do tempo se traduz apenas na impossibilidade de lançar mão à acção administrativa especial de impugnação? Nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva, a primeira solução seria como que “um milagre das rosas”, segundo o qual o mero decurso do tempo conduziria à sanação do(s) vício(s) do acto. Não parece, como tal, que seja de se aplicar a primeira solução, mas sim a segunda. Daí que o art.º38 CPTA disponha acerca do acto administrativo inimpugnável, podendo o tribunal conhecer a título meramente incidental desses actos, mas tão somente a esse título. Trata-se de uma clara manifestação de segurança e certeza jurídicas, mas o acto geneticamente viciado não perde o seu “gene” com o tempo. Para esse efeito existe o regime da ratificação, reforma e conversão, constante do art.º 137º CPA
Em nosso entender, é incontestável que foram inobservados, entre outros, os art.º 16º, art.º 17º / 1, 3 e 4 CPA e art.º 46/1 dos estatutos da FPF. Ainda que aqui se configure uma violação de lei, não parece que a mesma seja passível de recondução ao art.133º CPA (ainda que a expressão “designadamente” afaste a ideia de que o preceito é taxativo). De facto, as normas que determinam que deve ser o presidente do órgão colegial a convocar as reuniões prendem-se com questões de bom funcionamento do mesmo, o que, forçosamente, não poderá deixar de influenciar materialmente as decisões que o órgão delibere. Evidente parece ainda o comportamento atentatório aos mais elementares princípios da boa fé, por parte dos 5 membros que levaram a cabo a segunda reunião. Não pode aceitar-se que a realização de uma reunião sem o conhecimento do Presidente e Vice-Presidente seja conforme ao ordenamento jurídico. Como tal, assumindo, como de facto assume, o art.º 135º um cariz residual, teremos que sustentar que o acto controvertido é anulável, aceitando todas as implicações que daí resultam.
Apenas numa interpretação muito pouco restritiva do art.º133º/g) se poderia defender a nulidade das decisões. Teria de se considerar que as decisões tomadas numa reunião de um órgão colegial à revelia do seu Presidente e Vice-Presidente nunca poderiam deixar de ser “tumultuosas”. Não seria, sem margem para dúvida, uma deliberação normal ou regular, estando imbuída, desde o início, das circunstâncias atinentes a tão excepcional situação. Contudo, ao contrário do que se defendeu em “Meio Processual do Oporto FC”, reconhece-se agora que o caminho conducente à nulidade do acto se afigura mais difícil. No entanto, não deixam as decisões de ser anuláveis, e não pode o Oporto FC deixar de estar aberto a qualquer argumentação fundamentada que sustente a tese de nulidade, uma vez que tal regime se lhe afigura bastante mais favorável.
Cabe agora abordar questões mais práticas, conexas com a legitimidade passiva (rectificação a post anterior) e com a propositura de uma providência cautelar.
No seguimento da correcção feita pelo Ricardo, no que respeita a legitimidade passiva da acção administrativa especial de impugnação, julgamos de todo relevante afirmar a necessidade de demandar, para além da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), conforme a Clara correctamente nos rectificou anteriormente, o Paços de Ferreira na qualidade de contra-interessado (art. 57.º CPTA).
Os contra-interessados são verdadeiros sujeitos das relações jurídicas administrativas multilaterais que, sendo “titulares de posições de vantagem juridicamente protegidas” (Prof. Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise), devem gozar de plenos poderes processuais. De acordo com o ensinamento do Prof., estes “impropriamente” designados de “terceiros” são vistos como sujeitos principais e como tal estarão dotados de legitimidade activa e passiva.
Na presente hipótese, o Paços de Ferreira não pode deixar de ser um contra- interessado, uma vez que a impugnação do acto administrativo praticado pelo CJ, no sentido de negar provimento aos recursos apresentados, lesa o Paços de Ferreira que, assim, permanecerá na II Liga do Campeonato Português de Futebol. Deste modo, facilmente se compreenderá que o “provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar” (art. 57.º CPTA) este clube de futebol.
Por último, gostaríamos de salientar que o Oporto FC deverá, a fim de melhor proteger os seus interesses, requerer simultaneamente uma providência cautelar (art. 112.º e ss’ CPTA). Note-se que no caso se verifica um perigo iminente de lesão jurídica irreversível, dispondo o Oporto FC de legitimidade para requerer uma providência cautelar (art. 112.º n.º 1 CPTA). Concretamente, seria uma providência conservatória (suspensão da eficácia de um acto administrativo, art. 112.º n.º 2 al. b) CPTA) na medida em que se pretende a manutenção da esfera jurídica do requerente, ou seja, pretende-se que o Oporto FC não seja penalizado nos seis pontos.
Este processo cautelar, dependente da acção principal (acção administrativa especial de impugnação), visa obter uma tutela plena e eficaz dos direitos do requerente, tendo em atenção o facto de no Processo Administrativo português, a mera impugnação não suspender os efeitos do acto administrativo que se pretende impugnar; assim sendo, para que os seus efeitos sejam suspensos, o Oporto FC requererá a providência cautelar já mencionada.

Rute Carvalho da Silva, 140105007
David Nunes Fernandes 140105021

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