segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A INFÂNCIA DIFICIL DAS FEDERAÇÕES DESPORTIVAS

A infância difícil das federações desportivas

Em principio a federação com estatuto de utilidade pública desportiva será uma associação de direito privado com capacidade de exercício de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública.
São portanto poderes públicos delegados numa entidade privada. Ora, este fenómeno de delegação de poderes públicos nas federações só ocorre depois dos anos 40 do SEC XX. Antes disso, o deporto foi sempre organizado por entidades privadas, que sem qualquer relação especial com o Estado, fixavam as regras.
As primeiras regras nascem portanto no próprio interior do mundo desportivo. Assim, pertencia ás associações, sem interferência do Estado as tarefas de definição das regras do jogo, do licenciamento de praticantes e de aplicação de sanções.
Era um sistema que se baseava no princípio de independência em relação ao direito estadual. A independência e a auto-suficiência do sistema regulador do desporto encontravam uma expressão na proibição de acesso aos Tribunais do Estado, estatutariamente imposta aos membros das organizações do desporto desde o início (auto-jurisdição independente).
Explicando a proibição, afirmava Cesarini Sforza “admitindo-se que uma qualquer comunidade organizada corresponde um ordenamento jurídico autónomo, torna-se compreensível que, em caso de controvérsia entre si ou com a associação em matéria regulada por lei destes, os estatutos vedem aos associados a possibilidade de aceder á jurisdição do Estado na resolução de conflitos desportivos. Ora aí está a explicação para o facto de o conceito de “autonomia do direito do desporto” não significar historicamente a autonomia de uma disciplina jurídica, mas em vez disso, a independência da organização da regulação e da administração desportivas em relação ao direito de Estado.
Uma importante manifestação desta tese autonomista encontra-se na aplicação da Teoria da pluralidade dos ordenamentos de Santi Romano ao fenómeno desportivo: assim para Cesarini Sforza, um dos responsáveis por essa aplicação, o direito desportivo é “formado pelas leis, que podem considerar-se constitucionais e administrativas em sentido técnico” formuladas pela organização desportiva. Em si mesma, a organização desportiva no seu conjunto oferece o exemplo mais típico de uma comunidade que se dota de um ordenamento jurídico autónomo”.
Apresentado como um ordenamento jurídico autónomo, independente e auto-suficiente, baseado no associativismo e na autonomia privada, o direito revelou desde o seu nascimento, uma manifesta propensão para viver á margem do direito estadual (com um estatuto de extra-territorialidade dizem alguns) ou, pelo menos, para se manter imune à intervenção do Estado.
Essa tendência foi em geral respeitada pelo próprio Estado, pelo menos ate á década de 40 do secb xx.
Vejamos, comparando:
Na Alemanha, vigorava o princípio da subsidiariedade da intervenção do Estado em matéria de desporto. Salvo por solicitação das próprias associações desportivas, o Estado não interfere na organização nem na regulação do desporto, limitando as suas missões à promoção e o formato das práticas desportivas.
No Reino Unido, na sequencia da aprovação da lei dos direitos humanos de 1998, entende uma grande parte da doutrina, embora não acompanhada pela jurisprudência, que as organizações de regulação dos desporto devem qualificar-se como “autoridades quase-públicas” e, por isso, sujeitas ao direito público e aos tribunais.Invoca-se a ideia de que os organismos de regulação do desporto exercem “funções que são públicas por natureza”.
Em França, François Rigaux, indica os 3 principais factores que terão estado na origem da ingerência estadual:
1-A ajuda que o sector desportivo espera do Estado e que entronca no interesse deste em favorecer a educação física e desportiva dos jovens.
2- A popularização das praticas desportivas, em contraste com a ideia inicial de que o desporto era um divertimento de elites capazes de se auto-fianciarem.
3-O facto de os cidadãos dos Estados democráticos adquirirem a titularidade de direitos fundamentais e deixarem de estar dispostos a aceitar os comportamentos arbitrários das autoridades desportivas.
Assim, apesar da publicizaçaõ, as federações “continuam” a exercer as mesmas funções e a praticar os mesmos actos. Porém em sequência da apropriação pública formal, passam a fazê-lo ao abrigo de uma delegação, ficando associados ao desempenho de uma missão de serviço público: as normas que editam e os actos que praticam nesse âmbito, na medida que constituam a manifestação de uma “prerrogativa de poder publico” são normas e actos administrativos, impugnáveis nos tribunais administrativos do Estado.
Em Espanha por Decreto de 1941, a Delegação Nacional de Desportes ficava incumbida de “dirigir e representar o desporto nacional” e as federações desportivas passavam a consubstanciar organismos técnicos e administrativos hierarquicamente dependentes daquela entidade. Como em França também em Espanha, as federações desportivas surgem como entidades de direito privado investidas de poderes públicos: alguns dos regulamentos que editam e dos actos individuais que praticam são regulamentos e actos administrativos.

Em Portugal até 1942, o sistema desportivo à semelhança do que se verificava na Europa foi organizado e regulado no quadro da autonomia privada, pelos próprios associados reunidos em associação.
Veja-se o acórdão do STA que em 1937 anulou um acto administrativo pelo qual o Governador Civil de Lisboa havia anulado uma deliberação da Federação Portuguesa de Foot-ball Association.Em causa estava uma deliberação da Assembleia dessa Federação que tinha recusado a filiação de dois clubes; estes recorreram para o governador civil e este anulou a deliberação. A federação recorreu para o STA, alegando que o governador civil não tinha competência para, por via administrativa, anular uma deliberação da assembleia geral: uma vez que se tratava de uma associação de direito privado, só os tribunais ordinários poderiam faze-lo. Neste Acórdão o STA entende que a recorrente é uma pessoa colectiva de direito privado, de fim ideal, e dá procedência o pedido na parte em que é solicitada a anulação do pedido de anulação do acto do governador civil. (Ac. STA-1ª de 11/06/1937 proc:226)
Através do Dec-Lei nº 32 421 de 3 de Setembro de 1942, iniciava-se em Portugal, a ingerência estadual no mundo desportivo. Afirma-se em dois acórdãos do STA que as federações desportivas não poderiam continuar a ser consideradas pessoas colectivas de direito privado, devendo antes qualificar-se como “organismos corporativos”, associações de carácter representativo de uma actividade social. Desde 1942 até 1976 não existe qualquer decisão da jurisdição administrativa sobre actos da federação desportiva, é a consequência do princípio da irrecorribilidade jurisdicional das decisões dos órgão administrativos (director-geral e Ministro) tomadas sobre actos disciplinares federativos.
Com a Constituição de 1976 ficou claro que não se iria seguir o modelo alemão numa lógica de subsidariedade mas sim o modelo francês do desporto como serviço público.
Em 1985 Jorge Miranda afirmava que “as associações e federações desportivas (objecto de disposições legais desactualizadas e dispersas) são associações de pessoas colectivas. A sua natureza pública transparece na sua unicidade, nos seus poderes de regulamentação e direcção da prática desportiva e disciplinares e na fortíssima interferência que sofrem do Governo”. Contudo a restante doutrina classifica as federações desportivas como associações privadas.
A partir de 1990 com a Lei de Bases do Sistema Desportivo, e três anos depois com o novo regime jurídico das federações desportivas de utilidade pública desportiva a regulação, organização e gestão do desporto são assumidas como tarefas públicas do Estado.
RUTE SERÔDIO SIMÕES 140188123

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