terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Quantos actos administrativos serão?

Questão que importa suscitar no âmbito do caso controvertido é a de saber face a quantos actos pretendem o Oporto FC, o Belavista FC e o Presidente do CJ reagir, assim como determinar se a resposta a dar terá alguma relevância processual.
De facto, cabe aferir se as decisões do CJ constituem um só acto, ou se cada decisão deve ser entendida como um acto autónomo dos demais, o que conduziria à existência de cinco actos distintos entre si. Seriam eles: condenação do Oporto FC à perda de seis pontos; condenação do Belavista FC à descida de divisão; suspensão do presidente do Oporto FC por quatro anos; suspensão do presidente do Belavista FC por dois anos; instauração de procedimento disciplinar ao presidente do CJ. Note-se, porém, que os quatro primeiros actos são resultado da negação de provimento dos recursos apresentados, cujo objecto era constituído pelas decisões do CD.
Ora, de forma a determinar o número de actos em causa, compete analisar o disposto no art. 120º CPA, o qual aqui se transcreve integralmente:

“Para efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”

Esta definição legal parece não deixar grande margem para dúvida, sobretudo na sua parte final, na qual se afirma a necessidade de regular uma situação individual e concreta. Não pode entender-se que o conjunto das decisões constitui um só acto, na exacta medida em que estamos face a deliberações de conteúdo diverso, com destinatários diversos, ainda que a autoria tenha sido do mesmo órgão. A análise dos actos permite observar que os efeitos destes actos tendem a produzir-se em três esferas jurídicas independentes: o Oporto FC, o Belavista FC e o presidente do CJ, admitindo a possibilidade de conjugar os efeitos da perda de pontos / descida de divisão com os efeitos da suspensão dos presidentes na mesma esfera de cada clube.
Não se argumente, em sentido contrário, a possibilidade de nos encontrarmos face a um acto aplicável a vários sujeitos, uma vez que nos referimos a um grupo de sujeitos determinado. Embora estejamos, efectivamente, face a tal grupo, não pode ignorar-se que as decisões em causa diferem no conteúdo qualitativo e quantitativo (perda de pontos face a descida de divisão; suspensão de dois anos face a suspensão de quatro anos), assim como operam ao abrigo de diferentes normas (instauração de procedimento disciplinar ao presidente do CJ). Finalmente, ainda que se defenda estarmos face a um acto, numa perspectiva meramente formal, não deixaremos de estar face a cinco actos materialmente diferentes.
A este respeito da autoria, poderá ainda indagar-se quem é o autor dos actos. Isto porque, sendo líquido que a autoria da decisão de instaurar procedimento disciplinar ao presidente do CJ pertence a esse mesmo órgão, já as sanções aplicadas aos clubes e aos seus presidentes foram originariamente da autoria do CD. O CJ operou enquanto instância de recurso administrativo, nos termos em que já se apresentou em “posts” anteriores, como supra se referiu. Poderia suscitar-se a dúvida quanto a saber se a negação de provimento aos recursos, pelo seu conteúdo e efeito, poderia ser encarado como um acto (ou no caso quatro actos) meramente confirmativo, nos termos e para os efeitos do art.53º CPTA, o que daria lugar a um acto inimpugnável, preenchida que se encontra a al.b) do referido preceito, uma vez que os clubes e presidente do CJ foram notificados dos actos em discussão.
Não parece a ideia anterior proceder pela seguinte ordem de razões: sendo indiscutível que apenas se pode recorrer administrativamente (seja em sede de reclamação para o autor do acto, art.161º CPA, ou de recurso hierárquico, 166º CPA) de actos levados ao conhecimento do particular, não faria qualquer sentido que tal notificação do acto constituísse obstáculo à acção administrativa especial de impugnação. Seria, em boa verdade, negar a tutela jurisdicional constitucionalmente consagrada (art.268º/ 4 e 5 CRP) a todos os particulares que, após recurso hierárquico (v.g.) veriam confirmada o acto controvertido. Como tal, devemos concluir pela não aplicação de carácter meramente confirmativo aos actos praticados pelo CJ, devendo ser excluída a aplicação do art.53º CPTA.
Independentemente das dúvidas que se podem colocar quanto à autoria, em nosso entender não podemos deixar de estar diante de cinco actos administrativos. Compete, portanto, determinar as consequências processuais de tal consideração.
Neste sentido, cabe-nos perguntar quais serão os actos administrativos que o Oporto FC poderá, isoladamente, impugnar. Segundo o disposto no art. 68.º n.º 1 al. a) CPTA, o Oporto FC apenas poderá impugnar dois dos actos administrativos em causa. Concretizando, o acto administrativo que o penalizou em 6 pontos, bem como o acto administrativo que suspendeu o seu presidente por um período de 4 anos, por uma questão de legitimidade (art.55º/1 CPTA).
A acção administrativa especial, que como sabemos é a acção administrativa reservada a actos administrativos, é susceptível de ser utilizada no domínio do contencioso da responsabilidade civil pública, quando se verifica uma cumulação de pedidos relativos a um acto administrativo. Ora, no caso em apreço, é precisamente disso que se trata. Estamos perante uma acção administrativa especial de impugnação de actos administrativos, juntamente com um pedido de indemnização, pelos danos gerados pela actuação ilegal do CJ.
Nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo do Divã da Psicanálise, “constitui uma espécie de processo “dois em um”, que permite trazer a juízo a apreciação da globalidade da relação jurídica estabelecida, entre as partes, sem que ela tenha de ser artificiosamente “esquartejada” em distintos meios processuais”.
Deste modo, o Oporto FC poderá cumular aos seus pedidos de impugnação, o pedido de reparação dos danos resultantes da actuação administrativa ilegal (art. 47.º n.º 1 CPTA). Como resultado, a justiça administrativa encontrou uma forma de “ganhar tempo”, Prof. Vasco Pereira da Silva.
Como foi supra mencionado, encontramo-nos perante vários actos administrativos, existindo três destinatários: o Oporto FC, o Belavista, bem como o presidente do Conselho de Justiça da FPF. Assim sendo, consideramos que o Oporto FC beneficiaria de uma defesa mais eficaz se não actuasse isoladamente.
Isto porque, apesar de sermos confrontados com cinco actuações administrativas, o facto de estarem em causa os mesmos factos e regras de direito permite a coligação com o Belavista FC e com o Presidente do Conselho de Justiça da FPF, uma vez que a esta pluralidade sujeitos corresponde uma pluralidade de relações materiais controvertidas (art. 12.º n.º 2 e art. 12.º n.º 1 al. b) CPTA).


Rute Carvalho da Silva, 140105007
David Nunes Fernandes, 140105021

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