quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

ESCUTAS TELEFÓNICAS NO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR

Caros Colegas e Professores,

Visto já estar exaustivamente discutida a questão central desta simulação, vimos aqui tentar dar resposta a uma das questões anteriores à tomada de decisão no processo disciplinar, no caso a da admissibilidade das escutas telefónicas como fundamento para estas sanções disciplinares.

Apesar de parecer que esta questão sai do âmbito desta discussão, tal não é verdadeiro, já que foram, em primeira linha, estas escutas telefónicas as provas principais que levaram à condenação dos arguidos no processo crime, o qual, subsequentemente, serviu como base para os processos disciplinares que estão visados nesta simulação.

Não pretendemos aqui defender nenhum dos intervenientes, apenas a legitimidade constitucional e administrativa da utilização das referidas escutas nos respectivos processos disciplinares.

Por conseguinte, somos da opinião contrária à exposta pelo colega João Gomes Pereira, que defendeu que as escutas telefónicas não poderiam ser usadas para o processo disciplinar na liga "Cash and Carry".

É essa opinião que seguidamente procuraremos rebater.

A questão em apreço merece duas opiniões distintas: a do Prof. Costa Andrade (mencionada pelo meu colega) e a do Prof. Vital Moreira, que, na nossa opinião, melhor interpreta a Constituição da República Portuguesa (CRP), no que a esta questão diz respeito.

Ora, o consagrado constitucionalista sustenta o entendimento de que a utilização de escutas telefónicas no âmbito de processos disciplinares se encontra em perfeita consonância com o disposto no artigo 34.º, n.º4 da CRP, já que, e segundo a sua interpretação, este pode ser interpretado extensivamente, desde que autorizadas ab initio pelo órgão judiciário competente, nos termos da lei penal, garantido dessa forma a defesa dos direitos fundamentais, nomeadamente o direito à reserva da vida privada.

No fundo, o argumento deste professor é o de que, se as escutas telefónicas são passíveis de ser utilizadas num processo crime (em geral mais gravoso) também o poderão ser num processo disciplinar, sob pena de, nas palavras do Prof. Vital Moreira, levar, "a uma impunidade geral em procedimento disciplinar, justamente em relação às infracções disciplinares mais graves, mesmo em caso de condenação no processo penal, um direito sancionatório muito mais exigente em matéria probatória do que o disciplinar".

Mais acrescenta o eminente jurista: "não se afigura constitucionalmente irrazoável, muito menos intolerável, admitir a utilização de escutas licitamente realizadas em processo penal também para o sancionamento de outros ilícitos, mediante autorização da autoridade judiciária penal, desde que se trate de apuramento de responsabilidade civil ou disciplinar decorrente dos factos averiguados para efeitos de ilícito penal e em relação às mesmas pessoas arguidas em processo penal".

Por conseguinte, caso assim não fosse entendido, a não admissão de escutas nos termos supra descritos levaria a situações absurdas, tais como condenar determinados arguidos por ilícitos penais cometidos, não os podendo punir em conformidade no âmbito disciplinar, em virtude da não admissão de determinadas provas.

Mais se acrescenta que, no nosso entender, esta posição garante uma eficaz defesa dos direitos fundamentais do arguido, pois apenas será concedida ao procedimento disciplinar uma certidão que conterá apenas a transcrição das conversações ordenada pelo juiz, e não também a efectuada pelo arguido, mesmo que eventualmente constem do processo.

Aliás, e em reforço da tese por nós defendida, são asseguradas, no procedimento disciplinar em causa, todas as garantias de defesa, facultando-se ao arguido as certidões das quais constam as transcrições das escutas em causa, como forma de permitir a sua defesa.

Assim, parece-nos que, no âmbito do procedimento disciplinar em causa, as escutas telefónicas foram legitimamente utilizadas, como forma de fundamentar a penalização do Sr. Costa do Pinto e do Oporto F.C., bem como do Sr. Dourado Filho e do Belavista F.C. no processo disciplinar da liga "Cash and Carry".

Inês Teixeira da Silva
Tânia Silva

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