sábado, 25 de outubro de 2008

Análise às primeiras questões

Caríssimos Colegas e Professores,

Relativamente às questões que o presente caso suscita, concordo o meu colega Diogo Costa. Porém, entendo que haverá que esclarecer uma questão prévia: a de saber a que normas jurídicas deveremos recorrer para solucionar os problemas da hipótese e porquê.
Porque invocou desde logo o meu colega as normas do CPA? Porque aplicou normas de Direito Administrativo?
Ora, em primeiro lugar parece importante aferir da natureza jurídica dos órgãos colegiais referidos no caso concreto: a Comissão Disciplinar da “Liga Cash and Carry de Futebol” e o Conselho de Justiça. Os órgãos pertencem a uma entidade com personalidade jurídica colectiva pública ou privada? Pertencerão os mencionados órgãos à Administração Pública (em sentido orgânico)? E a Administração Pública integra apenas as pessoas colectivas públicas? Não integram a Administração Pública, mas exercem funções públicas? Prosseguem o interesse público? Na verdade, o caso concreto não fornece informação suficiente para apurar a natureza dos órgãos em causa, mas, releva notar que para podermos aplicar as normas do Direito administrativo, nomeadamente o CPA têm os órgãos colegiais da nossa hipótese que caber num dos números do artigo 2.º CPA.
Presumindo agora que são de aplicar as regras do Direito Administrativo, nomeadamente o CPA e o CPTA, importa analisar a decisão de “suspensão abrupta” da reunião do Conselho de Justiça tomada pelo seu Presidente. Antes, refira-se apenas que partimos do princípio que de facto cabia recurso da decisão da Comissão disciplinar da liga para o Conselho de Justiça, sendo este o órgão legalmente competente para apreciar tal questão. Ora, o meu colega invocou desde logo o art. 14.º, n.º 3 CPA para justificar a validade da decisão do Presidente do Conselho de Justiça. Efectivamente, diz-nos o preceito que o Presidente pode suspender ou encerrar antecipadamente as reuniões, quando circunstâncias excepcionais o justifiquem, mediante decisão fundamentada, a incluir na acta da reunião. Do caso em análise extrai-se, de facto, que a reunião terminou antecipadamente, uma vez que foi “abruptamente suspensa”, uma hora depois, pelo Presidente, que alegou estar a tornar-se tumultuosa. Embora não pareça deveras essencial, levante-se a questão de saber se “suspensão” é, ou não, o mesmo que “encerramento”. A lei distingue no nº 3 do art. 14.º CPA e o nosso caso refere “suspensão abrupta” e não encerramento. Entendemos que suspensão significa apenas “ interrupção temporária”, contrariamente a encerramento que traduz uma conclusão da reunião.
O nosso caso diz que a reunião foi suspensa antecipadamente. O n.º 3 do art. 14.º CPA permite ao Presidente de um órgão colegial tomar tal decisão, desde que se verifiquem circunstâncias excepcionais e desde que a decisão seja devidamente fundamentada. Caberá a ideia de “tumulto” nas chamadas “circunstâncias excepcionais”? Entendemos nós que a “ratio” do preceito ao referir circunstâncias excepcionais é a de permitir suspender ou encerrar reuniões quando não se verifiquem condições normais para que se possam prosseguir as deliberações. Não parece caber na noção “toda e qualquer situação” mas apenas situações muito extraordinárias e anómalas que impeçam, por completo, decisões tomadas com liberdade e consciência. Um tumulto tanto pode significar apenas discórdia como poderá sugerir muita agitação e desordem. Parece ser esta segunda ideia a do CPA, quando comina com a nulidade decisões tomadas tumultuosamente (art. 133.º, n.º 2 g) CPA). A existir tumulto como grande agitação e desordem parece poder verificar-se uma circunstância excepcional, dado que um tumulto poderá impedir decisões totalmente livres e isentas para a prossecução do interesse público. Sabemos, contudo, que não basta existir uma circunstância excepcional para que a decisão seja válida. É ainda necessária que a decisão do Presidente seja uma decisão fundamentada (medida esta de “higiene administrativa”). E neste ponto considero que não existe no caso fundamentação suficiente que nos permita concluir pela validade da decisão sem mais. De facto não temos a acta da reunião. A hipótese não fornece dados. Porém, se a fundamentação passar apenas por dizer que “a reunião se estava a tornar tumultuosa” não parece que seja uma fundamentação válida, por ser incompleta e não permitir aferir os motivos para os quais se alega a existência de desordem (125.º, n.º 1 e 2 CPA). No caso concreto, não parece o Presidente ter alicerçado a sua decisão em razões suficientemente fundadas como exige o preceito (14.º, n.º 3 CPA). Assim, concluo discordando com a opinião do meu colega Diogo Costa, optando pela invalidade da decisão de “suspensão” da reunião tomada pelo Presidente. Resta para terminar esta primeira questão, saber quais as consequências da invalidade do acto administrativo (artigos 133.º e 134.º CPA). Parece-nos possível afirmar que o acto não fundamentado ou fundamentado insuficientemente, no caso, é ilegal e poderá ser anulável, nos termos dos artigos 135.º e 136.º CPA por estar em causa uma ilegalidade formal.

Deixo assim a minha primeira contribuição para a um início de discussão e resolução do caso concreto, sem prejuízo de uma posterior análise mais aprofundada dos restantes problemas.

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