quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Francisco Esperto, Presidente do Conselho de Administração da construtora “Auto Betão”, de forma a assegurar o cumprimento da sentença do Tribunal de Contas, por parte do Instituto Estradas de Portugal (IEP) e da Empresa Construtora Paisagens de Alcatrão (EPA), está disposto a usar de todos os meios do contencioso administrativo ao seu alcance. Posto isto, urge elaborar uma breve explanação relativa ao afastamento de dois mecanismos de contencioso administrativo nos quais a Auto-Betão eventualmente teria legitimidade activa, mas que não serão objecto da seguinte petição inicial e justificar o seu porquê.
Assim, nos termos dos artigos 97º e seguintes do CPTA, verifica-se que a Auto Betão apenas poderia intentar um processo principal urgente se em litígio estivesse uma das situações taxativas: contencioso eleitoral; contencioso pré-contratual; intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias; intimação para a prestação de informações, consulta e passagem de certidões – o que não é o caso.
Por razões diferentes, também a acção popular é afastada. O nº2, art. 9º, CPTA, alarga a legitimidade activa, permitindo à Auto Betão agir enquanto actor popular, na defesa de um interesse da colectividade – não próprio - relativo a valores constitucionalmente protegidos (como a saúde e o ambiente). Contudo, é do conhecimento geral que uma acção popular já foi intentada pelo actor popular “Associação de Moradores de Vila Pouca de Saúde”. Deste modo, por razões estratégicas, a Auto Betão – devidamente representada pelos seus advogados uma vez que o patrocínio judiciário é obrigatório (11º, nº1, CPTA) -, irá concentrar a sua defesa no direito subjectivo que lhe é próprio, através do uso - directo e indirecto - de mecanismos processuais principais e cautelares.


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Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito do Tribunal
Administrativo de Círculo de Sítio Bastante


Processo: 0016/12


AUTO BETÃO, S.A., pessoa colectiva n.º 140 106 506, com sede na Calçada da Figueira, n.º 10, de Sítio Bastante, vem respeitosamente, perante V. Exª, instaurar contra:


INSTITUTO ESTRADAS DE PORTUGAL (IEP), Instituto Público, com sede na Rua da Boaventura, n.º 33, Seixal

e

EMPRESA PAISAGENS DE ALCATRÃO, S.A., (EPA), pessoa colectiva n.º 140 106 083, com sede na Avenida da Esquizofrenia Contenciosa, n.º 30, Pedrógão Grande


- PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO IMEDIATA DAS OBRAS DA AUTO-ESTRADA A/5401, “PARA SÍTIO NENHUM”,
- ACÇÃO PRINCIPAL DE SIMPLES APRECIAÇÃO DE VALIDADE DE CONTRATO ADMINISTRATIVO,
- ACÇÃO PRINCIPAL DE IMPUGNAÇÃO DE ACTO ADMINISTRATIVO DE ADJUDICAÇÃO


nos termos e com os seguintes fundamentos:

§1.
DOS FACTOS

1.º
No dia 22 de Setembro de 2009 foi celebrado um contrato público de empreitada e concessão da auto-estrada A/5401 “Para Sítio Nenhum” entre o IEP e a EPA, sem este ser submetido a forma escrita.

2.º
No dia 4 de Dezembro de 2009, o Tribunal de Contas considerou ser inválido o contrato supra referido, por vícios formais e materiais, não concedendo o respectivo visto prévio para o início da obra.

3.º
Na sentença proferida, o Tribunal de Contas invocou a razão prevista na alínea a) do n.º3 do artigo 44.º da Lei nº98/97, de 26 de Agosto, isto é, a nulidade do contrato.

4.º
O Tribunal de Contas entendeu ainda ter havido uma mudança de requisitos a meio do concurso, infundada, que veio beneficiar a EPA e prejudicar a Auto Betão.

5.º
O Tribunal de Contas entendeu, por último, não terem sido adoptadas as devidas aprovações ambientais (Declaração de Impacto Ambiental, doravante, DIA).

6.º
Não obstante, O IEP e o EPA recusaram o cumprimento da decisão do Tribunal por não ter “qualquer alcance prático, pois apenas dificulta os pagamentos, não impedindo que as obras continuem a decorrer com toda a normalidade”.

7.º
Contra a decisão proferida pelo Tribunal, as obras prosseguiram até à data.


§2.
DO DIREITO

8.º
Atribui-se aos tribunais de jurisdição administrativa a competência dos litígios que tenham por objecto a interpretação, validade e execução de contrato que estejam submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público, por força da alínea e) do nº 1 do art. 4º do ETAF.

9.º
O contrato de empreitada de obras públicas – contrato oneroso através do qual um particular se encarrega de executar, ou de conceber e executar, uma obra pública (artigo 343.º, n.º1 CCP) -, juntamente com o contrato de concessão de obras públicas - por via do qual um particular se encarrega de executar, ou de conceber e executar, uma obra pública, adquirindo, como contrapartida, o direito de a explorar, eventualmente recebendo um preço (artigo 407.º, n.º1 CCP) – segundo a regra geral dos contratos administrativos (art.184º CPA), devem estar sujeitos à forma escrita.

10.º
O vício de falta de forma, previsto excepcionalmente no artigo 133º do CPA como causa de nulidade do acto administrativo, tem como consequência a nulidade do contrato – o contrato é contagiado pela patologia do acto procedimental.

11.º
Nos termos da alínea h) do nº2 do artigo 37º do CPTA, uma acção declarativa apreciativa relativa à declaração de nulidade do contrato, segue a forma de acção administrativa comum.

12.º
Simultaneamente, o acto administrativo de adjudicação é impugnável, nos termos do nº1 do artigo 51º do CPTA, pois, de acordo com a definição legal de acto administrativo presente no artigo 120º do CPA, caracteriza-se por ter eficácia externa (produz efeitos jurídicos no âmbito da relação entre a administração e particulares), e ser susceptível de afectar direitos subjectivos, isto é, de produzir lesão à posição substantiva da Empresa Auto Betão – manifestação da garantia constitucional da tutela jurisdicional efectiva, como corolário do nº4 do art. 268º da CRP.

13.º
A acção de impugnação de acto administrativo deve seguir a forma de acção administrativa especial, nos termos do artigo 46º e seguintes do CPTA.

14.º
A cumulação da acção administrativa comum com a acção administrativa especial é possível, nos termos do artigo 4º e do artigo 47º, nº2, al.a) do CPTA. Uma vez cumuladas, segue-se a forma da acção administrativa especial - artigo 5º, nº1CPTA.

15.º
O autor Empresa Auto-Betão tem legitimidade activa para intentar acção administrativa especial de impugnação de um acto administrativo, nos termos do artigo 9º, nº1 e 55º, nº1, alínea a) CPTA, uma vez que é titular do direito subjectivo à legalidade na adjudicação e titular de direitos fundamentais ao ambiente; como tem legitimidade activa para intentar acção de declaração de nulidade do contrato administrativo, nos termos do art.9º, nº1, CPTA e do art. 40º, alínea e) do CPTA, pois participou no concurso público que precedeu a celebração do contrato, podendo fazer valer a invalidade do contrato por alegada desconformidade entre o clausulado e os termos da adjudicação.

16.º
As entidades demandadas, IEP, enquanto pessoa colectiva de direito público, e a EPA, enquanto concessionária, têm legitimidade passiva plural, segundo o artigo 10º do CPTA, nº 1 e nº7 respectivamente.

17.º
Quanto à oportunidade, a nulidade pode ser atacada a todo o tempo, não está sujeita a prazo – quer na acção administrativa comum (41º, nº1, CPTA); quer na acção administrativa especial (58º, nº1, CPTA).

18.º
O autor Empresa Auto Betão tem ainda à sua disponibilidade o requerimento de uma providência cautelar, instrumental ao processo principal (113º CPTA), de forma a assegurar a utilidade da sentença a proferir em processo principal. Uma vez que, se o direito não for deste modo acautelado, isto é, o acto de concessão impugnado o quanto antes, o direito não poderá a vir ser - ou dificilmente será – acautelado posteriormente, quando a construção das obras já estiver avançada. A providência cautelar visa deste modo assegurar a tutela jurisdicional efectiva (268º, nº4, CRP), assegurar que a tutela não seja meramente formal.

19.º
Nos termos do artigo 114º, o autor pode requerer providência cautelar simultaneamente com a propositura das acções principais.

20.º
A providência cautelar adequada é a de suspensão de eficácia do acto administrativo, providência cautelar conservatória: visa manter o status quo ex ante, suspender a eficácia de um acto agressivo da Administração, isto é, impedir que a actividade administrativa ilegal produza os seus efeitos.

21.º
Verifica-se o requisito essencial à existência de uma providência cautelar: a urgência no pedido, isto é, o periculum in mora, um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (120º, nº1, al.b), primeira parte, CPTA).

22.º
Encontra-se preenchido o pressuposto de fumus boni iuris qualificado: o acto administrativo em causa – atendendo à sua nulidade flagrante - é manifestamente ilegal. Deste modo, o tribunal não terá que verificar o preenchimento do requisito do principio da proporcionalidade (120º, nº 1, al.a) CPTA), e a providência cautelar deve ser adoptada, uma vez que se encontram preenchidos os todos os requisitos necessários.

23.º
Caso se entenda que o fumus boni iuris não é qualificado, a providência cautelar não deve ser recusada, pois verifica-se da mesma forma o pressuposto da aparência na vertente de non fumus malus: não é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada no processo principal (120º, nº1, al.b) segunda parte, CPTA); como também se encontra preenchido o requisito do princípio da proporcionalidade: em face dos interesses públicos e privados em conflito (120º, nº2 CPTA), após uma ponderação conforme aos princípios constitucionais, conclui-se que não existe uma situação de urgência, de periculum in mora do interesse público que justifique a recusa de providência cautelar.

24.º
Independentemente da apreciação dos fundamentos do requerimento da providência cautelar, o mero requerimento da providência cautelar determina que a Administração está proibida de executar o acto administrativo, por força do disposto no artigo 128º, nº1, CPTA. Pretende-se acautelar o periculum in mora da própria providência cautelar.


§3.
DO PEDIDO

25.º
Pelos motivos acima descritos, pede-se ao Tribunal, na figura do Exmo. Senhor Juiz, que ordene:

- PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO IMEDIATA DAS OBRAS DA AUTO-ESTRADA A/5401, “PARA SÍTIO NENHUM”,
- DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO ADMINISTRATIVO,
- IMPUGNAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO

As Advogadas,

Isabel T. Duarte
Jennifer Dutheil
Luz Amaral Cabral
Melissa Gonçalves

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